Sabendo que o sistema solar é caótico, vale a pena perceber porque é que o caos demorou tanto tempo a ser detectado e, por outro lado, porque é que toda a tradição de observações astronómicas, que datam desde as civilizações mais antigas, identificam o sistema solar com a ordem. A explicação está na análise das escalas de tempo relevantes. Como vimos, um sistema caótico caracteriza-se pela divergência exponencial de órbitas com condições iniciais muito próximas e uma análise a estes sistemas permite-nos obter uma medida da escala de tempo em que se manifestam os efeitos desse comportamento caótico. Ora, esta escala de tempo, para variações caóticas na excentricidade e tamanho das órbitas de Plutão e dos planetas interiores é da ordem dos milhões de anos, o que explica porque é que apenas a ordem figura nos registos astronómicos da antiguidade. As irregularidades nas órbitas planetárias são exemplos do caos lento no sistema solar.
Apesar do trabalho de Poincaré sobre o problema restrito de 3 corpos nos ter mostrado que o caos é incontornável no sistema solar, até chegarmos à era dos computadores era muito difícil mostrar em que medida é que o caos se manifestava nas órbitas dos planetas e que papel jogava na questão da estabilidade do sistema solar. Só a partir dos anos 80 do séc. XX é que foi possível, com a utilização de sofisticadas integrações numéricas, baseadas em algoritmos feitos a pensar nos computadores que então se desenvolviam, calcular órbitas planetárias ao longo de milhões de anos. O processo foi lento, uma vez que estes cálculos são muito exigentes tanto técnica como computacionalmente. Contudo, ao longo dos anos foi sendo possível levar estas integrações cada vez mais longe no tempo, ao ponto de hoje já se estudar a evolução de órbitas planetárias em tempos mais longos do que a própria idade do sistema solar.
Essencialmente, estas integrações a longo termo mostraram que as ressonâncias são o mecanismo principal do caos lento: pequenos efeitos cumulativos podem resultar em perturbações significativas que levam a comportamentos irregulares nas órbitas dos planetas. Um dos pioneiros destas integrações foi Jacques Laskar, quem primeiro integrou o sistema solar, excluindo Plutão, para um intervalo de tempo de 200 milhões de anos, e analisou nesta escala de tempo as variações dos elementos orbitais relevantes para a configuração global do sistema: excentricidade, inclinação do plano orbital e tamanho da órbita de cada planeta. O algoritmo permite também a detecção de caos, por exemplo lançando várias condições iniciais muito próximas para averiguar se as órbitas correspondentes apresentaram divergência exponencial, a habitual assinatura do caos.
Como talvez fosse de esperar, Laskar detectou esta divergência: embora os planetas em geral conservassem a sua distância média ao Sol, um erro de 100 metros na medição da posição inicial da Terra iria propagar-se tão rapidamente que, passados 100 milhões de anos, seria impossível prever a sua posição na órbita. Resultados independentes de integrações a longo termo no sistema solar, feitas posteriormente, confirmaram as conclusões dos primeiros estudos: o sistema solar tem um comportamento caótico em escalas de tempo grandes.
No entanto, o primeiro exemplo de caos no sistema solar foi detectado no movimento de Plutão, que tem uma órbita com uma excentricidade especialmente grande, além de o seu plano orbital fazer um ângulo também invulgar com o plano da eclíptica. Wisdom e Sussman, utilizando o digital orrery, um computador especialmente desenvolvido para fazer cálculos de mecânica celeste, mostraram em 1987, fazendo uma simulação ao longo de 845 milhões de anos, que a inclinação da órbita de Plutão e a sua excentricidade sofriam subtis variações periódicas ao longo de dezenas de milhões de anos, variações estas indetectáveis com os métodos tradicionais da teoria das perturbações. Entre estas incluíam-se oscilações com períodos de 3.8 milhões e de 34 milhões de anos na inclinação do plano da sua órbita, assim como sinais de ciclos mais longos com centenas de milhões de anos. Quanto ao periélio da órbita, as simulações mostraram ciclos de 3.7 milhões, 27 milhões e 137 milhões de anos.
Contudo, ao longo dos 845 milhões de anos de simulação, Plutão não mostrou irregularidades evidentes, nem sobressaíram sinais claros de instabilidade. A assinatura do caos apareceu quando os dois físicos experimentaram o comportamento futuro de 2 Plutões lançados a partir de condições iniciais ligeiramente diferentes. O que detectaram foi que as posições e velocidades dos 2 planetas gémeos divergiam exponencialmente, os seus resultados mostraram dependência sensível nas condições iniciais. Este resultado mostrou que, apesar de ser possível dizer qual a posição de Plutão na sua órbita daqui a 1 ano, é impossível fazer o mesmo para daqui a 100 milhões de anos uma vez que o mais pequeno erro na medição da sua posição e velocidade é amplificado ao longo de milhões de anos impossibilitando previsões a longo termo. Outras equipas mostraram mais tarde que, entre Urano e Neptuno, existe uma região de comportamento caótico, o que levantou uma nova discussão sobre a origem de Plutão. Lembremo-nos que Tritão, a maior lua de Neptuno, é feita dos mesmos materiais de Plutão, o que pode ser tomado como indício a uma origem comum. O caos pode ter sido o responsável por dar destinos dinâmicos diferentes a dois corpos formados na mesma região do sistema solar.
O que hoje em dia não oferece dúvida é que a configuração do sistema solar foi evoluindo ao longo da sua história, de modo que muitos dos objectos que o constituem estão hoje em órbitas que não são as primordiais. Nesta evolução, que se dá em escalas de tempo muito grandes comparadas com as das observações astronómicas, assim como no movimento dos corpos de menor massa, que só recentemente passaram a estar acessíveis à observação, o caos desempenha um papel crucial.
Curiosamente, nenhum destes estudos mostrou aquilo a que se pode chamar de caos catastrófico, variações nas órbitas dos planetas suficientemente grandes para dar origem a colisões entre eles. Apesar da irregularidade detectada a longo termo no sistema solar, as simulações sugerem algum confinamento no tamanho desses desvios. Simulações mais recentes indicam que colisões entre planetas só são prováveis em escalas de tempo da ordem da idade do próprio sistema solar e por esta razão se diz que este é marginalmente estável. Quer isto dizer que estamos livres do perigo de que, numa escala de tempo muito grande, a Terra venha a sofrer um desvio catastrófico da sua órbita? Na verdade, a natureza do caos em sistemas conservativos impede-nos ter essa garantia e a questão só pode ser posta em termos de probabilidades. No espaço de fase, onde vão evoluindo as posições e velocidades de cada planeta, podemos traçar em princípio zonas de ocupação provável para as órbitas dos planetas, mas não podemos garantir que não exista um "caminho" que leve a configurações muito pouco prováveis.
Por outro lado, podemos dizer que a evolução do sistema solar tratou de lhe dar maior estabilidade, uma vez que a maioria dos pequenos detritos e protoplanetas que tinham órbitas instáveis ou que existiam em zonas mais caóticas do sistema solar já foram ou expelidos para fora do sistema solar, ou levados a colidir com os actuais planetas. Neste sentido é interessante pensar no caos como um arquitecto do sistema solar tal qual o conhecemos.