Na dinâmica de populações não linear vimos que o caos é um regime que aparece para determinados valores do parâmetro a. Observámos que, nesse regime, as órbitas do sistema visitam de uma maneira irregular e imprevisível todo um intervalo de valores de x. Vamos investigar agora a outra assinatura do caos: – a dependência sensível nas condições iniciais, usando o mesmo applet para observar o fenómeno.
Introduza no applet os seguinte valores:
a = 4
Transiente = 0.
Número de iterações a desenhar = 30.
Número de condições iniciais = 2.
Condições iniciais: 1ª – 0.3333 ; 2ª – 0.3334.
O que observa?
Note como as duas condições iniciais, apesar de tão próximas uma da outra, dão origem a órbitas que, passadas algumas iterações, são totalmente diferentes.
Num regime regular, duas condições iniciais diferentes têm evoluções semelhantes, passado o transiente, e condições iniciais muito próximas têm órbitas que se mantêm sempre muito próximas. No regime caótico, que observamos no applet depois de algumas iterações, o que acontece às órbitas das duas condições iniciais?
Passado um transiente, já ninguém
diria que tinham começado tão próximas: A
correlação entre as duas órbitas desaparece. Este
comportamento chama-se dependência sensível nas condições iniciais e significa que as
órbitas de dois pontos arbitrariamente próximos,
após um certo número de iterações
estarão distantes à
escala do sistema. No regime caótico, qualquer pequena
diferença é ampliada ao longo da iteração,
até assumir proporções 'macroscópicas',
isto é, à escala do intervalo de valores que as
variáveis podem assumir. Quanto mais próximas
estiverem as condições iniciais escolhidas, mais tempo
esta divergência demora a manifestar-se, mas esse tempo é
sempre relativamente curto, porque a separação das
órbitas aumenta muito rapidamente com o número de
iterações.
Qual é a origem deste comportamento? Ao longo do processo iterativo, no regime caótico, a função f() 'estica' o intervalo e 'dobra-o' sobre si próprio em cada iteração. A geometria desta operação pode ser vista no gráfico à direita, onde cada metade do intervalo [0,1] é esticada até cobrir todo o intervalo [0,1] e a imagem das duas metades de [0,1] é dobrada, de modo que o intervalo é recoberto duas vezes pela sua imagem. O processo mimetiza a actividade de um padeiro a trabalhar a massa, com um trabalho repetido de esticar e dobrar sucessivamente todo o volume da massa.
A dependência sensível das condições iniciais é fácil de se compreender, basta para tal observar o movimento de duas pequenas sementes na massa de um pão integral ao longo do processo de trabalhar a massa. Mesmo que as duas pequenas sementes estejam inicialmente muito próximas, essa distância duplica em cada iteração até uma distância máxima igual ao tamanho da massa e a partir desse momento deixa de existir qualquer correlação entre a posição as duas sementes.
Esta ideia tão simples permite compreender porque razão alguns sistemas são caóticos. Um dos casos mais simples é o atractor de Rössler, o qual tem sido observado em vários sistemas, desde o fluxo de líquidos às reacções químicas. A maneira como a dinâmica actua neste atractor é análoga ao processo de esticar e dobrar a massa do nosso exemplo, como pode ser visto na figura seguinte:
A ideia de que pequenas causas podem produzir grandes efeitos, uma maneira informal de enunciar a dependência sensível nas condições iniciais, é uma das ideias centrais do caos. Uma das consequências mais importantes é a imposição de limites à nossa capacidade de previsão, mesmo num cenário ideal onde conhecemos exactamente a lei que rege a evolução do sistema, pois só se conhece o estado deste com a precisão permitida pelos instrumentos de medida. Quando o sistema é caótico, o pequeno erro que afecta o conhecimento da condição inicial faz com que, ao fim de um certo tempo, o comportamento previsto pelo modelo e o comportamento do sistema real possam estar completamente descorrelacionados.
Esta ideia foi popularizada na área da meteorologia, onde a preocupação com a previsão a longo prazo é central, com a metáfora do efeito borboleta, criada a propósito dos trabalhos de Edward Lorenz. Lorenz usou um dos primeiros computadores disponíveis para calcular as órbitas de um modelo muito simplificado da atmosfera, concentrando-se no movimento de convecção do ar. Esse modelo, dado por um sistema de equações não linear, possui um atractor estranho (atractor de Lorenz) que exibe dependência sensível das condições iniciais, como se pode inferir da geometria deste, onde as órbias se afastam espiralando, para depois se depois se 'dobrarem' sobre si proprias, conforme ilustrado na figura:
Esta descoberta acabou com o sonho da previsibilidade a longo prazo na Meteorologia. Por muito rigorosas que sejam as medições da pressão, humidade, etc., estas estão limitadas à precisão dos nossos instrumentos e o erro com que as medimos irá ser rapidamente ampliado. Num intervalo que pode ser de um dia, uma semana ou um mês, o estado do tempo fica para todos os efeitos imprevisível, por melhor que seja o modelo empregue para o descrever.
O applet à direita simula a projecção sobre o plano xz do atractor de Lorenz. Cada vez que clicamos com o rato na janela do applet lançamos uma condição inicial. Vemos então uma sucessão de pontos a ser desenhada, que com o evoluir do tempo forma uma linha – A órbita da condição inicial escolhida. Verá como esta linha, após um intervalo de tempo longo, forma uma figura semelhante às asas de uma borboleta. Tal como nas órbitas caóticas no modelo logístico, cada ponto só é visitado uma vez.
Experimente clicar duas vezes seguidas no applet. Acabou de lançar duas condições iniciais muito próximas uma da outra. Conseguimos distingui-las porque têm cores diferentes. Repare como passados alguns segundos, as duas condições seguem destinos muito diferentes.