Feedback e não linearidade

Os sistemas que exibem caos determinista têm em comum duas características:

  • São não lineares.
  • Têm feedback.

Para entendermos melhor o que isto significa vamos considerar a dinâmica de um sistema que evolui em intervalos de tempo discretos. Isto é, em vez da evolução no tempo contínuo, como a de um planeta em órbita, ou de um pêndulo, tornamos tudo mais simples e vamos pensar em sistemas nos quais o tempo é contado à unidade. Um bom exemplo é a evolução da população de uma determinada espécie ao longo de sucessivas gerações. Neste sistema, um intervalo de tempo corresponde a uma geração.

Feedback.
Dinâmica iterativa num sistema discreto. Cada novo estado depende do anterior. Entra na regra um valor Xn. Aplicamos a regra e obtemos Xn+1, o estado seguinte do sistema. Xn+1 também entra por sua vez na regra para obtermos o valor seguinte, Xn+2 e assim por diante.

Suponhamos uma primeira geração de gafanhotos com uma população de x1 indivíduos. Qual a população x2 da geração seguinte? É intuitivo que a nova geração dependa da primeira embora não deva ser necessariamente igual uma vez que factores como a taxa de natalidade, mortalidade, competição por alimento, etc., devam pesar no evoluir da população de uma geração para a seguinte. Portanto, pretendemos arranjar uma regra f() que englobe estes factores e que ao introduzirmos x1 nos devolva o valor x2, da população da geração seguinte. Prosseguindo desta maneira, a lógica será a mesma para a partir da 2ª geração calcularmos a população da 3ª, e assim por diante. Na dinâmica de populações que estamos a definir, a iteração da mesma regra permite calcular a população xn de uma geração arbitrária n. A figura esquematiza este processo iterativo.

Uma única regra de transformação f() constitui um modelo determinista para a evolução da população, através do mecanismo de feedback que estabelece cada novo valor da população como o valor de partida para o cálculo da geração seguinte. Obviamente, o modelo só é bom se a regra for aprendida do que se observa na realidade.

Juntamente com feedback, a não linearidade é uma característica essencial nos sistemas que exibem caos. Mas o que é o comportamento não linear no contexto do nosso exemplo? Na figura seguinte, à esquerda, está representada uma função f() linear, uma recta. Para esta regra de transformação, a soma das imagens de x1 e x2 é igual à imagem da soma. Para qualquer outra recta, a imagem da soma de dois pontos depende também de uma maneira muito simples dos valores das imagens de cada um dos pontos. Já na figura da direita, uma parábola, f() é não linear, e é evidente que neste caso a imagem da soma é diferente da soma das imagens, e que além disso essa diferença depende dos pares de pontos escolhidos. A dinâmica definida por f() diz-se não linear quando a representação gráfica de f() não for uma recta, o que significa que a regra actua de uma maneira não uniforme de ponto para ponto.

Comportamento linear.
Regra de transformação linear: f( x1 + x2 ) = f( x1 ) + f( x2 ).
Comportamento não linear.
Regra de transformação não linear: a imagem da soma pode ser maior ou menor que a soma das imagens.
 

Introduzimos já os dois ingredientes essenciais do caos e propusemos também um sistema simples que os possui. O passo seguinte será encontrar uma boa maneira de observar a evolução da dinâmica do sistema, ou seja o conjunto dos valores x1, x2, ..., xn, ... que representam o estado do sistema ao longo do tempo. Estes conjuntos de valores chamam-se órbitas do sistema e a melhor maneira de estudarmos o comportamento qualitativo das órbitas é recorrendo à iteração gráfica da regra f(). As figuras seguintes são exemplos de iteração gráfica num sistema linear e não linear respectivamente. Tente perceber como a dinâmica evolui:

  1. Uma condição inicial x0 (a população da 1ª geração) entra na regra f() de forma a obtermos, como já dissemos, o valor da geração seguinte. Graficamente significa traçarmos uma linha vertical que vai de x0 a f(x0).
  2. f(x0) = x1, e portanto x1 será o novo ponto a introduzir na regra para acharmos a população da geração seguinte. Se traçarmos uma linha horizontal a passar por f(x0) = x1, este ponto encontra-se naturalmente sobre a vertical que passa pela intersecção da linha horizontal, em que y = x1, com a recta auxiliar y = x, também traçada no gráfico.
  3. Procedendo desta maneira para n arbitrário podemos encontrar a posição no gráfico dos sucessivos pontos que constituem uma órbita.
Iteração gráfica com regra linear. Iteração gráfica com regra não linear.
À esquerda: Iteração gráfica de um modelo linear. O comportamento genérico é simples: Qualquer condição inicial segue uma órbita que cresce indefinidamente.
À direita: Iteração gráfica de um modelo não linear. Numa regra f() como a parábola da figura os pontos marcados da órbita da condição inicial escolhida deixam antever um comportamento mais complexo do que o observado no caso linear. A população cresce, durante a primeira e segunda geração, tem uma queda acentuada na 3ª mas cresce de novo na 4ª. O comportamento futuro, neste caso, é de facto irregular e imprevisível como iremos ver.

Apesar de as órbitas se poderem construir desta maneira simples, veremos que, no caso não linear, o sistema pode exibir uma variedade de comportamentos complexos, incluindo caos.