A classificação dos constituintes de um caos, nada menos do que isso é aqui tentado. Herman Melville, Moby Dick, capítulo 32. |
A ciência moderna nasce com Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1642-1727), que iniciaram uma nova atitude na tentativa da compreensão da realidade à nossa volta, baseada na observação precisa dos fenómenos, na elaboração de teorias quantitativas e no teste rigoroso dessas teorias. O desenvolvimento deste programa foi possível graças à invenção de uma nova matemática, o Cálculo Diferencial, baseada no conceito de derivada, que desempenha na ciência moderna um papel análogo ao que a Geometria Euclidiana teve na Astronomia ptolomaica, a mais moderna das ciências antigas. Este novo instrumento matemático é o adequado à descrição quantitativa de fenómenos que evoluem no tempo, e com ele as leis da Física passam a poder formular-se como equações diferenciais.
Ao contrário de uma equação algébrica ou de uma relação geométrica, que exprime uma correspondência quantitativa fixa entre as grandezas envolvidas, uma equação diferencial define a lei de variação no tempo da grandeza a que diz respeito. Por exemplo, a 2ª lei de Newton, F = ma, diz-nos que a posição de um corpo sujeita a uma determinada força tem que variar no tempo de maneira a que a sua aceleração, multiplicada pela massa, iguale essa força. Resolver uma equação diferencial passa por, dada uma força, achar a forma concreta para a posição em função do tempo que verifica a equação diferencial. E chama-se 'diferencial' porque a grandeza que intervém na equação não é directamente a posição, mas sim a aceleração, que é a segunda derivada da posição em ordem ao tempo. A velocidade, uma outra grandeza importante associada ao movimento, é a derivada da posição em ordem ao tempo, pelo que a aceleração é a derivada da velocidade em ordem ao tempo.
As forças, que jogam um papel tão importante na Mecânica de Newton, ficam determinadas pela teoria física que se aplica a cada fenómeno. Um outro ingrediente do programa da ciência moderna é a procura de leis universais e de uma descrição unificada da realidade. Também neste aspecto foi Newton quem deu o primeiro passo, ao mostrar que a força que faz cair uma maçã da árvore e as forças responsáveis pelo movimento dos corpos do sistema solar têm todas a mesma origem: – A lei da atracção universal. A Mecânica de Newton surge-nos assim como a primeira teoria unificada, que se aplica tanto à Física da Terra como à Física dos Céus e temos desde então vindo a acumular evidência de que a física que governa as galáxias mais distantes é a mesma que rege os fenómenos que estudamos nos nossos laboratórios.
O desenvolvimento da Mecânica newtoniana, desde a sua formulação até hoje, proporcionou avanços espectaculares, sobretudo na nossa compreensão do sistema solar. No final do século XIX, o programa científico assente na formulação de teorias físicas com base em experiências e na resolução das equações diferenciais dessas teorias em cada situação concreta parecia poder vir a dar uma capacidade ilimitada de previsão e controlo de todos os fenómenos físicos, da Mecânica de Partículas e de Fluidos ao Electromagnetismo e aos fenómenos termodinâmicos. Apesar de se saber que essa capacidade de previsão dependia da solução de equações diferenciais e de não serem conhecidas as soluções, a não ser das equações mais simples, pensava-se que as soluções conhecidas eram típicas e que, portanto, os casos mais complicados podiam ser tratados aproximadamente, com a precisão desejada, à custa apenas de algum, ou muito, esforço de cálculo.
A famosa frase de Laplace (1749-1827), a propósito do sistema solar,
Podemos considerar o estado presente do Universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Se um intelecto, num determinado momento, conhecesse todas as forças que actuam na Natureza e a posição de todos os corpos que a constituem, e se além disso fosse suficientemente vasto para poder analisar toda essa informação, então conseguiria abarcar numa única fórmula o movimento dos maiores corpos do universo e os do mais pequeno átomo; para esse intelecto, nada seria incerto, e tanto o futuro como o passado estariam perante si.
reflecte bem o determinismo ingénuo que reinava nessa altura. Tal como o sistema solar parecia evoluir de maneira absolutamente previsível em consequência de uma única lei simples, todo o Universo devia funcionar com a mesma regularidade, como um relógio mecânico cujo mecanismo era compreensível através da Física. Neste mundo governado pela ordem, não havia lugar permanente para a incerteza e para o caos.
Curiosamente, foi também no estudo da dinâmica do sistema solar, que inspirou esta visão, que surgiu a descoberta que a destronou. No virar do século XIX, o trabalho do físico-matemático francês Henri Poincaré (1854-1912) sobre o sistema Sol-Júpiter mostrou que uma evolução determinista, isto é, regida por uma equação diferencial, podia ser intrinsecamente imprevisível.