A gravitação de Newton

Planetário do tempo do rei Jorge II de Inglaterra, anterior a 1733.
Planetário do tempo do rei Jorge II de Inglaterra, anterior a 1733.
© Science Museum/Science & Society Picture Library.

Um aspecto fundamental das leis de Kepler é serem válidas para todos os planetas (na verdade para qualquer corpo em órbita de outro), o que sugere um mecanismo comum responsável pelo seu movimento regular. O próprio Kepler foi um dos primeiros a afirmar que havia uma razão física por detrás do movimento dos planetas e que o Sol era a sua causa. No entanto não tinha nem a teoria física, nem as ferramentas matemáticas para levar mais longe esta afirmação.

A formulação da teoria da gravitação, de que as leis de Kepler são consequência, foi feita anos mais tarde por Isaac Newton (1643 - 1727). Newton dispunha de um instrumento matemático novo: –O Cálculo Diferencial, que ele próprio inventou. Dispunha também de uma teoria física: –A Mecânica, que ele próprio também criou, que explicava o movimento observado na Terra, e em particular as leis empíricas de Galileu, com base nos conceitos de força, de massa e nas 3 leis da Dinâmica.

Leis da Dinâmica de Newton

1ª lei de Newton
1ª lei de Newton.
Um corpo livre, sobre o qual não actua nenhuma força, executa um movimento uniforme e rectilíneo, isto é, com velocidade constante. O repouso é considerado como um movimento com velocidade nula, e portanto é um estado possível para um corpo livre.
Na figura, o boneco é projectado para a frente porque, ao contrário do carro cujo movimento foi travado por um obstáculo, o corpo não foi actuado por nenhuma força no instante do choque, e é lançado com a velocidade com que seguia.
2ª lei de Newton
2ª lei de Newton.
A força F que actua sobre um corpo e a aceleração do seu movimento, a, estão relacionadas pela equação
F = m.a,
onde m é a massa do corpo.
A 2ª lei diz-nos precisamente como responde um corpo à aplicação de uma força. Se observarmos a aceleração de um corpo, ou seja, como varia no tempo a sua velocidade, sabendo a sua massa conseguimos calcular a força responsável pelo movimento. Por outro lado, se conhecermos a força a que está sujeito um corpo de massa conhecida, sabemos qual será a aceleração do seu movimento, e podemos em princípio calcular esse movimento.
3ª lei de Newton
3ª lei de Newton.
As forças de interacção entre dois corpos são iguais em magnitude e direcção e com sentido oposto.
Na figura 4 ao lado os 2 homens estão sentados num carrinho. O homem da esquerda aplica uma força para empurrar o da direita. No entanto, pela 3ª lei de Newton, a essa acção corresponde uma reacção de igual magnitude e sentido oposto. Assim sendo, também ele sentirá uma força de igual magnitude que o empurrará para trás.

Newton dispunha ainda, é claro, das leis de Kepler e a tudo isto juntou um ingrediente totalmente revolucionário: a ideia de que a física que vale na Terra também vale para o Céu. O movimento de um projéctil à superfície da Terra e o movimento da Lua em torno da Terra têm a mesma origem e seguem as mesmas leis.

Canhão orbital de Newton.
A figura ilustra a universalidade das leis de Newton: –a força responsável pela queda de um projéctil na Terra é a mesma que mantém um corpo em órbita. À medida que o canhão imprime maior velocidade nas balas que dispara, os projécteis vão caindo cada vez mais longe, atraídos pelo campo gravítico terrestre. Continuando a aumentar a velocidade inicial, a bala curva em direcção ao solo, mas o solo também vai curvando debaixo de si o que vai atrasando a sua chegada. A partir de uma certa velocidade a queda é permanente e a bala tem energia suficiente para completar uma volta inteira à Terra entrando em órbita.

Esta ideia, que se pode considerar a primeira 'unificação' da física, implica que as órbitas elípticas keplerianas dos planetas em torno do Sol têm que verificar também as três leis da dinâmica. Isto e a forma elíptica das órbitas implicam que a força que o Sol exerce no planeta deve ser directamente proporcional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância, onde G é uma constante chamada: –constante de gravitação universal.

Lei da gravitação universal.

Podemos proceder 'ao contrário', e perguntar-nos quais são os movimentos que verificam a segunda lei de Newton para uma força de interacção com esta forma. Descrever esse movimento é achar a função r(t), i.e. a posição em função do tempo, que corresponde a uma aceleração que, multiplicada pela massa, é igual em cada instante à força de interacção gravítica. Como a aceleração é a segunda derivada em ordem ao tempo da função posição em função do tempo r(t) e a força gravítica é conhecida em função de r(t), este problema é um exemplo de uma equação diferencial.

Equação deiferencial do problema de dois corpos.
Esta equação diferencial dá-nos uma regra para o que acontece em cada instante. Resolver a equação passa por achar precisamente a curva r(t) que satisfaz esta lei para todo o t.

Newton foi o primeiro a pôr desta maneira o problema, que ele próprio resolveu, encontrando outras soluções para o problema de dois corpos, para além das elipses keplerianas. Descobriu que todas as órbitas do problema de 2 corpos em interacção gravítica são secções cónicas: podem ser elipses, as únicas que são curvas fechadas, parábolas ou hipérboles, ver figura. De que depende o tipo de cónica a que cada movimento vai corresponder?

Órbitas e secções cónicas.

As elipses são órbitas fechadas, e portanto periódicas, o que significa que um corpo em órbita elíptica em torno de outro está 'ligado' a este. Pelo contrário, um corpo em órbita hiperbólica (e também nas parabólicas, que são a 'fronteira' entre as órbitas elípticas e as hiperbólicas) visita o outro corpo uma única vez: aproxima-se vindo de distâncias ilimitadas, e volta a afastar-se, perdendo-se nas grandes distâncias. A distância infinita, a força de atracção gravítica é nula, porque diminui com o inverso do quadrado da distância, e o corpo está livre. A diferença entre as órbitas parabólicas e hiperbólicas e as elípticas é portanto haver ou não condições para que o corpo em órbita se liberte da atracção gravítica do outro corpo e atinja distâncias arbitrariamente grandes, e isso depende apenas da energia da órbita. Como vimos no canhão de Newton imaginemos que lançamos desde a superfície da Terra um projéctil na vertical e de baixo para cima. Este atinge uma certa altura, e volta a cair. Quanto maior for a velocidade que lhe imprimirmos, e portanto a energia cinética com que inicia o seu movimento, maior será a altura máxima que este vai atingir. Se aumentamos a força que imprimimos ao projéctil de modo a que este atinja alturas muito grandes, cada vez a atracção gravítica da Terra é mais fraca e se faz sentir menos, e é mais fácil o projéctil chegar um pouco mais longe, ou mais difícil a força gravítica travar o seu movimento ascendente. Por causa deste efeito, para valores superiores a um valor crítico chamado velocidade de escape, a velocidade inicial do projéctil é suficiente para que este continue a afastar-se sempre da Terra. As órbitas de velocidade inferior, igual e superior à velocidade de escape deste exemplo simplificado correspondem às órbitas elípticas, parabólicas e hiperbólicas do problema de dois corpos.

Vemos assim a elegância e a universalidade da mecânica de Newton, e como o conhecimento de todas as soluções do problema dos dois corpos abre um caminho para a compreensão e previsão do movimento de todos os corpos do sistema solar. O relógio dos Homens deu lugar ao relógio de Newton.