A (im)predictibilidade das avalanches

Para compreender a Natureza, os físicos criam os modelos mais simples possíveis que exibam um comportamento semelhante ao fenómeno que se quer explicar. O propósito da criação de modelos simples é o de reduzir ao mínimo os suspeitos do crime (comportamento observado) e dessa forma capturar em flagrante o(s) agente(s) responsável / responsáveis por esse mesmo comportamento. Este processo não é mais do que a aplicação do princípio da navalha de Ockham.

Regras de actualização.

Um dos modelos simples, criado com o propósito de compreender a autoorganização crítica, é o seguinte:

  • Os grãos de areia são representados por cubos que se vão deixando cair ao acaso sobre um tabuleiro quadriculado de lado L, ou sobre outros cubos que eventualmente já lá estejam.
  • Sempre que quatro cubos ficam empilhados, cada um destes cai para as quatro casas adjacentes (ver figura da direita) empilhando-se sobre os cubos que eventualmente já lá estejam, ou caem no esquecimento, se caírem para as casas que estão para lá da borda do tabuleiro. Se durante este processo de queda se formar(em) alguma(s) outra(s) pilha(s) o processo (avalanche) continua até que já não existam mais pilhas de altura quatro.
  • Quando tal acontece deixa-se cair mais um grão de areia (cubo) ao acaso, deixa-se cair tudo o que há a cair (este ponto aparentemente inocente é muito importante, pois modela a queda lenta dos grãos de areia), adiciona-se mais um cubo e assim por aí adiante.

Os nossos leitores são convidados a experimentarem este modelo no applet seguinte, onde os números sobre o tabuleiro de quadrados azuis, representam o número de grãos que está em cada quadrícula, sendo esses números inicialmente escolhidos ao acaso. A ordem aconselhada das experiências é a seguinte:

  1. Seleccionar uma das três possibilidades para a queda dos grãos: center, midedge ou corner e de seguida ir carregando no botão single step para verificar que efectivamente os cubos caem da maneira que descrevemos, assim como as avalanches que vão ocorrendo (regiões debruadas a branco). Nesta experiência aparecem dois tabuleiros de quadrículas azuis: o antes e o depois, que vão alternando entre si à esquerda e à direita.
  2. Seleccionar a opção random para a queda dos grãos, carregar em start e observar no gráfico da direita o número de avalanches em função do tamanho. Visto que ambas as escalas do gráfico são logarítmicas e que para um número grande de avalanches se começa a observar uma recta de declive negativo, o número de avalanches N em função do tamanho T obedece a uma lei de potência: N = T α, onde α é um número real. O mesmo comportamento (lei de potência) também é observado, se, alternativamente, os grãos forem adicionados no vértice ou no centro. Porém tal já não é o caso se os grãos forem adicionados no meio do lado, devido ao tamanho do tabuleiro ser pequeno, desaparecendo esse efeito quando se aumenta o tamanho do tabuleiro.
  3. Para observar avalanches num tabuleiro de lado 41, seleccione a opção Large lattice.

Apesar da extrema simplicidade do modelo, este captura uma das características mais interessantes dos sistemas autoorganizados criticamente: As grandezas estão relacionadas por leis de potencia. Em particular isto significa que as avalanches não ocorrem ao acaso, pois o tamanho e a respectiva abundância estão relacionados por uma lei de potência. Contudo este conhecimento não nos indica quando será a próxima avalanche... pelo que estas continuam a ser imprevisíveis.

Outros modelos computacionais foram experimentados, tendo-se de igual forma verificado que para estes o tamanho das avalanches e a respectiva frequência estavam relacionados por uma lei de potência, pelo que o comportamento do modelo do applet anterior não era somente uma feliz coincidência. Em 1993 Dar e Ramaswamy mostraram, usando um modelo semelhante ao do applet, para o qual conheciam a solução analítica, que pelo menos nesse caso, o comportamento crítico observado nos modelos computacionais não era meramente um acontecimento fortuito resultante da simulação de sistemas demasiado pequenos.