Os cambiantes da criticalidade

Quem pode, pois, calcular o trajecto de uma molécula? Que dados temos para não acreditar que a criação de mundos seja determinada pela queda de grãos de areia? Quem conhece pois os fluxos e refluxos do infinitamente grande e do infinitamente pequeno, o ecoar das causas nos precipícios do ser e as avalanches da criação?

- Victor Hugo   Os Miseráveis

A maneira mais simples de compreender a criticalidade consiste em ilustrá-la com as reações em cadeia de dominós, quando estes são dispostos em filas, numa grelha quadriculada onde a queda de um dominó provoca a queda dos dominós vizinhos.

Queda de dominós em filas esparsamente distribuídas.

Quando as filas de dominós estão esparsamente distribuídas, as reações em cadeia (avalanches) são pequenas e localizadas. Nestas condições dizemos que o sistema está num estado subcrítico.

Queda de dominós em filas densamente distribuídas.

Quando as filas de dominós estão densamente distribuídas, as reações em cadeia (avalanches) são grandes e a probabilidade da maior parte dos dominós tombar é grande. Nestas condições dizemos que o sistema está num estado supercrítico.

Queda de dominós em filas, quando a densidade é de 50%, i.e. cada quadrícula tem uma probabilidade de 50% de conter um dominó.

Ao contrário do que seria de esperar, pela observação destes dois casos, existe uma densidade crítica de dominós que separa estes dois comportamentos extremos: - avalanches muito localizadas / avalanches onde quase todos os dominós tombam. A densidade de dominós que separa a probabilidade da maior parte dos dominós caírem / poucos caírem é 50%. Na figura seguinte podemos ver como essa probabilidade (percolation probability) varia em função da densidade (p) de dominós para vários tamanhos da grelha.

Gráfico da probabilidade de percolação em função da densidade.

Esta curva é tão mais vincada quão maior for o tamanho da grelha e no limite de uma grelha infinita tem a forma de um degrau com o lado vertical nos 50%. A densidade de 50% é especial ainda por uma outra razão: para esta densidade uma avalanche que comece num dos lados da grelha tanto pode fazer cair uns dois ou três dominós como pode estender-se até ao outro lado da grelha (neste caso dizemos que a avalanche percolou).

Lei de potência.

Tal como no ponto crítico de um gás, onde existem bolhas e gotas com dimensões que variam desde a escala atómica até às dimensões da amostra e onde a abundância de bolhas ou gotas em função do tamanho segue uma lei de potência, também o número de avalanches em função do tamanho segue uma lei de potência, quando a densidade de dominós é 50%.

Dado que o ponto crítico de um gás é caracterizado por invariância de escala, revelada pela existência de grandezas que verificam uma lei de potência, generalizamos esta noção e dizemos que o estado de um sistema é crítico, se tiver esta simetria, isto é se existirem grandezas que obedeçam a leis de potência. Por exemplo o sistema de dominós tem um ponto crítico para a densidade de 50%.