O exemplo mais simples de autoorganização e também o mais estudado é a magnetização espontânea. Num material magnético, como o ferro, os spins ordenam-se espontaneamente a uma temperatura característica. A magnetização espontânea é um exemplo de autoorganização de equilíbrio.
Um exemplo mais complexo ilustra algumas características adicionais da autoorganização. Numa experiência de convecção, um líquido é aquecido uniformemente através da superfície inferior e arrefecido através da superfície livre. Como o líquido quente é mais leve ( a densidade é menor ) do que o líquido frio, o líquido quente tem tendência a subir na direcção da superfície livre. Por outro lado, o líquido frio tem tendência a descer na direcção oposta. Estes dois movimentos não podem ocorrer ao mesmo tempo sem coordenação entre os fluxos. O líquido autoorganiza-se num padrão de convecção, formado por rolos paralelos, com um fluxo ascendente dum lado e um fluxo descendente do outro. A convecção é semelhante à magnetização no sentido em que as moléculas se movem de uma forma colectiva. A diferença entre os dois estados é que na convecção o padrão é dinâmico: as moléculas permanecem em movimento enquanto o gradiente de temperatura se mantiver.
Vamos analisar a convecção com mais cuidado. No estado de equilíbrio, a temperatura é a mesma nas duas superfícies do líquido e é igual à temperatura externa. No equilíbrio o líquido é uniforme, ou na linguagem dos físicos, é invariante para todas as translações e rotações. Este equilíbrio também é estável. Depois de uma perturbação local da temperatura, o sistema volta ao estado uniforme, de acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica.
Se aumentarmos ligeiramente a temperatura da superfície inferior, um fluxo contínuo de energia passa através do líquido. O sistema conduz o calor da superfície quente para a superfície fria, através da redistribuição da energia ao nível molecular. O líquido é não-uniforme: A temperatura, a densidade e a pressão no interior do líquido variam linearmente entre as duas superfícies. A estrutura de condução é imposta pelas condições externas e não é uma estrutura autoorganizada.
Se aumentarmos progressivamente a temperatura, existe um limiar a partir do qual o comportamento do líquido muda drasticamente: Aparecem células de convecção cuja secção está representada na figura seguinte. O movimento microscópico aleatório das moléculas ordena-se espontaneamente ao nível macroscópico, com um comprimento de correlação característico.
Esta ordem ocorre numa escala de milímetros, muitas ordens de grandeza superior à escala microscópica que caracteriza a ordem de quase todos os sistemas de equilíbrio. No limiar de convecção, estas células são do tipo rolo de travesseiro e, vistas desde cima, formam um padrão às riscas, como na figura abaixo.
Este padrão dinâmico formado por rolos de convecção, em que a rotação do fluido nas células alterna entre o sentido dos ponteiros do relógio e o sentido oposto à medida que nos movemos na horizontal, é estável: uma pequena perturbação não altera o estado do sistema. Além disso, ainda que pequenas variações das condições experimentais possam fazer variar o arranjo particular do padrão, fazendo com que uma posição particular do líquido possa estar numa célula que roda no sentido dos ponteiros do relógio ou numa célula que roda no sentido oposto em experiências diferentes, as características globais do padrão são sempre as mesmas, na mesma região de valores da diferença de temperatura. Ao atravessar o limiar de convecção, dá-se uma quebra espontânea de simetria: Um padrão particular, com um tamanho característico, é seleccionado, de forma que a simetria do estado de convecção e a simetria do estado uniforme (líquido homogéneo) são diferentes, e a daquele é menor.
Lord Rayleigh estudou a origem deste padrão e mostrou que as características que o determinam (gradiente de temperatura, viscosidade e condutividade térmica do líquido) podem ser combinadas num único parâmetro, o número de Rayleigh. O número de Rayleigh é uma medida do balanço entre as forças que promovem a convecção (diferença de densidade entre o líquido quente e o líquido frio) e as que se lhe opõem (fricção devido à viscosidade e à difusão térmica, que opera no sentido de anular o gradiente de temperatura). O limiar de convecção é dado pelo valor do número de Rayleigh Ra=1708, e a razão entre a largura e a altura das células (vector de onda) neste ponto é da ordem de um, de modo que os rolos têm uma secção aproximadamente quadrada. Acima deste limiar não existe apenas um, mas vários, vectores de onda possíveis, e a determinação da forma das células requer uma análise mais sofisticada
Por exemplo, para certos valores dos parâmetros acima do limiar de convecção as células de convecção arranjam-se num espectacular padrão hexagonal, como ilustrado na figura à esquerda, em que o movimento ascendente do líquido se dá ao longo do centro dos hexágonos e o descendente ao longo das faces. Foi este o padrão que Bénard observou em 1900, nas experiências que motivaram os trabalhos teóricos de Rayleigh. O padrão que acabámos de descrever pode ser visto neste vídeo. Este padrão acaba eventualmente por ser destruído, se o gradiente térmico for suficientemente grande, como pode ser visto neste vídeo para um gradiente maior. Vídeos cortesia de Carsten Jäger.
Hoje sabe-se que em muitas experiências, incluindo as do próprio Bénard, em que a superfície arrefecida do líquido está livre, o mecanismo que compete com a viscosidade e a difusão térmica para promover a convecção não é devido às variações de densidade com a temperatura, como no modelo de Rayleigh, mas sim às variações da tensão superficial com a temperatura. Ambos os mecanismos de convecção dão origem às instabilidades responsáveis pela quebra de simetria e pelo aparecimento de padrões.
A convecção de Marangoni, que pode ser observada neste vídeo, cortesia de Akira Hirata, é um exemplo paradigmático do efeito da tensão superficial. Nesta experiência, realizada em condições de microgravidade, foram adicionadas pequenas partículas que reflectem luz a uma gota de silicone com não mais do que alguns milímetros de tamanho. Na convecção de Marangoni, a tensão superficial joga um papel importante uma vez que este se encontra em contacto com o ar. Pequenas flutuações de temperatura à superfície do líquido provocam uma diminuição local da tensão superficial que dá origem a forças de tracção que tendem a movimentar o líquido ao longo da superfície para longe dos pontos mais quentes. Por outro lado, o fluxo de líquido que ascende do fundo aquecido continua, reforçando assim as flutuações naqueles pontos, o que dá origem, eventualmente, à instabilidade.
Na linguagem da dinâmica não linear, o limiar de convecção é um ponto de bifurcação e o comportamento do sistema pode ser descrito em termos de um diagrama de bifurcação. Se aumentarmos a temperatura da superfície inferior, que é neste caso o parâmetro que regula a não linearidade do sistema, a estrutura torna-se mais complexa no espaço e no tempo, até que se atinge um regime turbulento ou caótico. Os sistemas capazes de exibir auto-organização contêm os ingredientes da dinâmica caótica, e por isso exibem estes dois regimes, associados a diferentes valores dos parâmetros.
O exemplo da convecção ilustra alguns dos princípios responsáveis pela auto-organização em sistemas fora do equilíbrio: competição de forças ou tendências, quebra de simetria, estruturas dissipativas, instabilidades e limiares de bifurcação, selecção de padrões e complexidade crescente com o forçamento externo.