Ao estudarmos os mecanismos de formação de padrões em sistemas biológicos, é necessário ter em mente não só as ideias de autoorganização, como também os mecanismos alternativos para a formação de padrões. Não só porque nem todos os padrões da natureza provêm da autoorganização, mas também, como já mostrámos, mesmo aqueles que são baseados essencialmente na autoorganização podem ter a contribuição de outros mecanismos. Muitas vezes, a ordem nalguns sistemas pode ter origem nas suas interacções internas em conformidade com as forças impostas pelo exterior.
Existem essencialmente quatro formas de um grupo de organismos construir uma estrutura ordenada sem recorrer à autoorganização. Cada uma delas pode ser caracterizada através da forma como a ordem é imposta no sistema: Líderes, receitas, esquemas (blueprints) e moldes (templates).
A primeira alternativa à autoorganização é o líder bem informado que dirige a actividade do grupo dizendo a cada indivíduo aquilo que deve fazer, supervisionando assim a construção do padrão global do sistema. É o que acontece com um grupo de remadores que tem um timoneiro a impor o ritmo das remadas.
Convém notar, no entanto, que a sincronia dos remadores não deriva exclusivamente das instruções do líder. Os próprios remadores tentam coordenar o seu movimento tomando atenção ao movimento uns dos outros o que significa que apesar da presença de um líder, a autoorganização também tem um papel neste exemplo.
Ao analisar-se o mecanismo de formação do padrão num certo sistema, é preciso averiguar se existem indivíduos com papéis de liderança, responsáveis pela coordenação do padrão. Se os houver, então é provável que o sistema não seja autoorganizado. No entanto, é preciso também averiguar a existência de interacções entre os elementos do sistema, porque a sua existência indicia autoorganização. No plano experimental, a melhor maneira de decidirmos entre estas duas alternativas é privar o sistema dos seus líderes, ou bloquear as interacções entre os seus elementos averiguando até que ponto o padrão global é robusto à alteração destas condições.
A liderança em sistemas biológicos pressupõe a existência de um indivíduo mais experiente ou geneticamente mais apto que possa supervisionar a actividade organizada do grupo. Um exemplo clássico é o da fila formada pelas crias dos patos que seguem a mãe, um padrão que se forma com base na liderança da progenitora.
Durante muito tempo pensou-se que a rainha nas sociedades de insectos, além de progenitora funcionava como uma autoridade central que supervisionava a actividade de toda a colónia. Numa certa medida pode ser verdade, nas colónias de abelhas a rainha liberta feromonas que regulam alguns dos aspectos da organização da colónia. Este controlo torna-se ainda mais importante em colónias mais pequenas como as formadas por algumas espécies de abelhas ou vespas. Nestas colónias, o número de indivíduos é suficientemente pequeno para que a rainha actue como um coordenador central em que a sua agressividade, aumento de actividade ou produção de feromonas, funciona como estímulo à actividade subsequente da colónia. Nestes casos, o papel de liderança funciona com eficácia porque a colónia é suficientemente pequena para que a rainha possa examinar toda a colmeia, adquirindo informação completa sobre as suas necessidades e a partir da qual pode dar feedback aos trabalhadores.
Alguns estudos comparativos mostram que as colónias mais pequenas são caracterizadas por um controlo centralizado, mas à medida que a colónia aumenta de tamanho este controlo é descentralizado e transferido da rainha para os trabalhadores, passando a colónia a ser governada através de processos de autoorganização. De facto, não é de estranhar que para sistemas muito grandes seja difícil ter um líder que possa acumular e processar informação de toda a colónia.
Por vezes podem obter-se padrões globais dando instruções sequenciais a cada indivíduo: - Uma receita. A receita especifica cada acção de cada indivíduo no espaço e no tempo, dizendo também como esta deve ser realizada. O melhor exemplo é uma receita de culinária. Um cozinheiro com pouca experiência segue a receita fielmente ignorando o feedback dado pelo prato em confecção. Já o cozinheiro experiente, além de possuir uma receita, pode ir buscar também informação ao sabor do que está a cozinhar (estigmergia), obtendo assim feedback precioso que o pode levar a fazer alterações ao inicialmente previsto na receita. Tal como vimos no caso de líderes, pode haver uma combinação de mecanismos, em que além da receita, o padrão global emerge em conformidade com as interacções internas do sistema.
Outro exemplo é o dos dançarinos, que apesar de à partida terem uma receita para os passos a executar ao longo do bailado, ou da dança, ajustam o seu movimento mediante a interacção que têm com os seus colegas, produzindo assim o padrão global, uma dança harmoniosa, tanto da receita como de interacções internas do sistema.
Há evidências fortes de animais que constroem seguindo receitas: instruções que especificam uma sequência de comportamentos geneticamente programada. Um exemplo interessante é o da aranha Cupiennius salei. Esta aranha faz casulos com a sua seda nos quais deposita os seus ovos. Começa por construir uma base, em seguida constrói uma borda cilíndrica deixando no final uma abertura através da qual são depositados os ovos. Foram feitas algumas experiências com o objectivo de testar a flexibilidade da aranha nesta construção. Verificou-se que interrompendo o trabalho da aranha após a base ter sido construída e largando-a alguns minutos mais tarde pronta para a construção de um novo casulo, esta não volta a construir a base e continua a construção como se a base já existisse.
Como o exemplo acima nos mostra, as receitas definem comportamentos rígidos deterministas que retiram flexibilidade ao construtor, especialmente se estiver em causa o trabalho coordenado de vários construtores. Tal como o cozinheiro experiente recebe feedback do prato que está a ser confeccionado e faz ajustes à receita, certos sistemas biológicos, como já vimos, desenvolveram a estigmergia, a capacidade de receberem estímulos da própria construção em andamento para saberem o que fazer a seguir.
Outra alternativa à autoorganização para a formação de padrões são os esquemas, uma representação compacta das relações espaçio-temporais das partes do padrão. Por exemplo, a planta de uma casa ou a pauta de um músico numa orquestra. A diferença entre receitas e esquemas é que o esquema não diz como é que o padrão deve ser construído, apenas estabelece as relações entre as partes do sistema. Tanto no caso da construção de uma casa ou de um concerto de orquestra, além da planta e da pauta é necessário a presença de um engenheiro ou mestre de obras ou de um maestro. Portanto, para além de um esquema, a ordem pode ser imposta num sistema com a contribuição de outros mecanismos, neste caso de líderes.
É bastante difícil arranjar exemplos claros do uso de esquemas por parte de algum animal. O uso de um esquema implica que o animal tenha uma imagem mental do que quer construir com a qual possa comparar a construção à medida que vai progredindo. No entanto, é difícil distinguir se o animal está a usar um esquema ou se possuí simplesmente um reportório rico de respostas a diferentes contingências do trabalho em progressão. Tanto um mecanismo como o outro são bastante flexíveis.
No caso em que o animal funciona com base no estímulo-resposta, cada estrutura estimula um determinado comportamento que leva o animal ao passo seguinte de construção que por sua vez oferece um novo estímulo. Desta maneira, a construção é feita através de um caminho rígido determinado e quaisquer acidentes ou alterações a este caminho provocarão estímulos de reserva a partir dos quais a estrutura pode ser corrigida. Contudo, se o animal usar um esquema, é guiado pela forma final da construção e portanto é de esperar que ele possa seguir qualquer caminho que produza o resultado correspondente ao esquema que possuí de antemão.
A quarta alternativa para a formação de padrões são os moldes, também conhecidos como templates. Um molde especifica o padrão final e conduz o processo de formação do padrão.
Vimos um exemplo de molde quando fizemos referência à construção da câmara real por parte das térmitas. A rainha liberta um odor carregado ao qual as térmitas são sensíveis e que demarca a dimensão e forma da câmara real. Outros exemplos são conhecidos do nosso dia-a-dia, como as formas usadas para fazer biscoitos ou os moldes industriais que permitem a construção em série de inúmeros objectos.
O uso de moldes em sistemas biológicos é mais subtil do que aquele que podemos observar em exemplos humanos, onde os usamos para fazer cópias iguais de um mesmo objecto. Um exemplo interessante é o do cacho-caldeirão macho ( Ploceus cucullatus ). Este pássaro usa o corpo como molde para construir o seu ninho. Começa por construir um anel no qual se pode empoleirar. Uma vez empoleirado, começa a alargar o anel dando origem a uma câmara abobadada. O tamanho e forma desta câmara é definido pela máxima distância a que o pássaro consegue chegar quando empoleirado no anel de origem, daí a forma abobadada.
Agora que descrevemos diversos mecanismos para a formação de padrões, vale a pena perguntar porque é que em muitos sistemas biológicos a autoorganização foi favorecida em detrimento desses mecanismos. Quais as vantagens da autoorganização?
De uma maneira geral, as regras que regulam sistemas autoorganizados podem ser bastante económicas e por isso facilmente implementadas no comportamento e na fisiologia dos organismos que as usam. Assim sendo, é de esperar que a evolução tenha favorecido sistemas autoorganizados, nos quais cada indivíduo segue um conjunto de regras simples mas que a interacção com outros indivíduos possibilita a criação de padrões complexos.
Por exemplo, os castores são bem conhecidos pela sua habilidade como engenheiros, usando troncos e lama para construir diques, interrompendo o curso dos rios e moldando assim o seu habitat propiciando desta forma melhores condições para a sua sobrevivência. No entanto, a semelhança com as actividades de construção humanas são só aparentes. Não é provável que os castores possuam algum esquema mental do que querem construir. Em vez disso, a sua actividade de construção aparece como a combinação de vários factores que podem incluir sequências de comportamentos programadas geneticamente, activados por sugestões provenientes da própria estrutura em construção e comportamentos de estímulo-resposta, que levam à autoorganização mediante a interacção entre os materiais de construção movimentados quer pelas correntes quer pelos próprios castores.
Olhando para os outros mecanismos de formação de padrões parece claro que todos eles apresentam desvantagens relativamente à autoorganização, principalmente na dificuldade que parece existir em implementá-los:
Líderes - Se um sistema possui líder, é necessário que este consiga ter acesso a toda a informação do sistema, além disso, a rede de comunicações tem que ser suficientemente eficaz para que o líder possa receber e fazer chegar informação a todos os pontos do sistema. Como é evidente, a existência de um controlo centralizado desta natureza implica a aquisição e processamento de quantidades colossais de informação o que torna inviável, principalmente nos casos em que os sistemas são muito grandes, a existência de um controlo desta natureza.
Receitas - À partida o uso de receitas pode ser um bom meio para construir padrões complexos, uma vez que por definição estas dizem não só o que fazer, mas como fazer. De facto, como vimos, encontramos alguns exemplos na natureza, como a construção de casulos por parte da aranha Cupiennius salei. No entanto, se este mecanismo pode funcionar para um organismo individualmente, o uso de receitas torna-se claramente desadequado para a actividade de grupo. O problema não está naquilo que cada indivíduo deve fazer, porque cada um segue a receita de que dispõe, mas na cooperação entre indivíduos. O uso de uma receita prepara o indivíduo para comportamentos estereotipados que são accionados na medida do seu próprio trabalho. Ora, numa actividade de grupo, cada indivíduo deve estar preparado para reagir não só aquilo que faz, mas ao que os restantes elementos fazem. É esta flexibilidade que falta no uso de receitas.
Esquemas - Não se encontram muitos exemplos do uso de esquemas na natureza. Para um indivíduo ou um grupo de indivíduos construir com base num esquema é necessário que cada um deles tenha uma imagem mental do que deve ser construído, sendo necessário que essa informação esteja codificada no código genético. Por outro lado, um esquema não diz como é que a estrutura deve ser construída, apenas diz o que deve ser construído, o que significa que o animal deve ser capaz de encontrar por ele próprio o meio de o fazer. Estas condições impõem limitações imediatas à construção com base neste mecanismo, uma vez que não só um esquema representa uma grande quantidade de informação específica a ser codificada geneticamente, como exige do indivíduo uma grande complexidade e flexibilidade de comportamento.
Moldes - O uso de moldes na natureza não é muito observado precisamente pela inexistência de moldes adequados. Na maior parte dos padrões em sistemas biológicos, estes são construídos a partir do zero. Não existe por exemplo um molde tridimensional adequado que oriente a construção dos montes de térmitas ou dos diques dos castores. Por esta razão, à excepção de alguns exemplos particulares a que já fizemos referência, em que o animal usa o seu próprio corpo como molde, os padrões que observamos em sistemas biológicos são demasiado complexos para que tenham origem num molde natural.
Resumindo, a autoorganização na natureza aparece como o mecanismo mais poderoso para criar padrões ou estruturas complexas. Não é de admirar que a evolução tenha favorecido a existência de sistemas autoorganizados, uma vez que a partir de um custo genético relativamente baixo é possível obter propriedades emergentes complexas, muitas vezes essenciais para a sobrevivência de uma determinada espécie. De facto, poderíamos dizer que a autoorganização encerra o espírito do ditado "a união faz a força".