"What is it that governs here? What is it that issues orders, foresees the future, elaborates plans and preserves equilibrium?"
Maurice Maeterlinck, referindo-se às térmitas.
Para entendermos melhor como aparece a auto-organização em sistemas biológicos é essencial percebermos como é que as diversas componentes do sistema autoorganizado interagem entre si. Como já dissemos, é exclusivamente mediante estas interacções que o sistema se autoorganiza.
Entre grupos de animais, os biólogos identificaram dois modos principais através dos quais a informação pode circular entre indivíduos: sinais e sugestões.
A diferença entre sinais e sugestões é ilustrada através da diferença entre os carreiros de formigas e os carreiros de veados. O trilho de feromonas deixado por cada formiga quando regressa de uma fonte de alimento é um sinal, porque, ao longo da evolução, a selecção natural favoreceu a utilização destes "rastos químicos" de modo a que as colónias fossem mais eficazes na detecção e obtenção de alimento. É através deste rastos que se formam os carreiros de formigas, onde cada uma é estimulada a seguir pelo trajecto marcado desta maneira. Por seu lado, a utilização dos trilhos formados pelos veados nas matas e bosques, apesar de fornecerem informação útil aos veados que eventualmente os vejam, não foi talhada pela evolução especificamente para servir de comunicação entre os indivíduos, é meramente o resultado acidental de seguirem pelo mesmo caminho. Estes carreiros são sugestões.
As interacções nos sistemas autoorganizados podem ser mediadas por sinais ou sugestões. No entanto, enquanto que a transferência de informação via sinais, por via da evolução, estabeleceu mecanismos fortes e eficazes, a transferência de informação via sugestões é mais subtil pois é baseada em estímulos acidentais obtidos pelo organismo no seu meio social.
Como dissemos, uma das características essenciais dos sistemas autoorganizados é que a troca de informação é local, cada elemento comporta-se mediante a interacção com a sua vizinhança, ficando desta maneira alheio ao comportamento global do sistema. Em sistemas biológicos esta noção torna-se ainda mais evidente, dada a extrema dificuldade de qualquer organismo vivo adquirir e processar grandes quantidades de informação, como seria o caso, se os sistemas autoorganizados que observamos na natureza possuíssem líderes ou indivíduos com informação global do comportamento de toda a comunidade.
O que observamos é que os membros de um grupo autoorganizado usam regras de comportamento muito simples baseadas na informação que directa ou indirectamente obtém dos seus vizinhos mais próximos. Voltando ao exemplo de um cardume de peixes, através da regra de feedback positivo: "Vou nadar junto ao maior grupo de peixes", juntamente com a regra de feedback negativo: "Se me encontrar demasiado próximo afasto-me", cada peixe interage exclusivamente com os seus vizinhos mais próximos como se estivesse ligado a estes através de molas, que o fazem aproximar-se, se se encontrar longe e que o mandam afastar-se, se se encontrar demasiado próximo. Desta maneira, usando informação limitada do sistema, os peixes nadam juntos indiferentes à direcção global do cardume e ao padrão que surge como resultado de pequenas flutuações que levam ao reajustamento do movimento de todo o grupo.
Acima dissemos que nos sistema biológicos autoorganizados a informação é adquirida e processada localmente mediante a interacção de cada indivíduo com os vizinhos mais próximos, mas esta interacção pode ser indirecta. Nas situações em que vários indivíduos contribuem num esforço comum, tal como o trabalho das térmitas ou das abelhas, os estímulos produzidos pela estrutura emergente, ou pelas modificações no meio ambiente são muitas vezes as fontes de informação essenciais que regulam o comportamento posterior de cada indivíduo.
Os montes de térmitas continuam a ser um dos exemplos mais fascinantes de autoorganização em sistemas biológicos. Estes montes, que são milhares de vezes maiores do que cada térmita, demoram várias gerações de térmitas a serem construídos, o que torna ainda mais intrigante o mecanismo que permite que todos aqueles milhares de indivíduos consigam trabalhar coordenadamente numa construção tão complexa. Foi no estudo de insectos sociais que o termo estigmergia foi introduzido para descrever actividade de construção recursiva. No caso das térmitas, parece evidente que nenhuma delas tem conhecimento da forma final da estrutura, além de que não é possível a cada uma acompanhar a evolução da construção como um todo.
Assim, não é verosímil que o trabalho seja realizado à custa da supervisão de líderes, mas antes através de coordenação descentralizada, em que cada indivíduo responde a estímulos provenientes da própria construção emergente para saber o que deve fazer a seguir, comunicando desta forma com o resto da colónia. No entanto, para entender a construção dos montes de térmitas a estigmergia é importante, mas não é o único mecanismo de aquisição de informação da colónia. Tal como as formigas, cada térmita deixa rastos químicos no local de passagem e nos bocados de terra "encharcados" com saliva e que servem também como estímulo comportamental a outra térmitas. Além disso, em certas fases da construção do monte, como na construção da câmara da rainha, a autoorganização aparece associada a outros mecanismos de formação de padrões: o odor que esta liberta serve de molde para orientar o distanciamento correcto das paredes, o que significa que, neste caso, existe a colaboração de um "comando central" na orientação dos primeiros passos de construção do monte.
É importante realçar que, apesar da autoorganização ser um elemento essencial na formação dos padrões que temos vindo a dar como exemplos, a maior parte das vezes não aparece sozinha. Outros processos de formação de padrões de que iremos falar podem aparecer como elementos importantes nalguns passos da criação do padrão emergente.
Para além da estigmergia, como já vimos, o controlo descentralizado nas colónias de insectos é outra característica geral dos sistemas autoorganizados. Não apresentam hierarquias de informação e cada indivíduo decide o que fazer com base em regras muito simples, comuns a toda a comunidade.
O estudo de sistemas autoorganizados em biologia é muitas vezes um trabalho árduo, porque a maior parte das vezes não é trivial perceber como é que cada parte do sistema interage com a sua vizinhança. No entanto, naturalmente, estes estudos começam pelo trabalho empírico no terreno no qual se procura caracterizar o padrão emergente em detalhe e clarificar o fenómeno em estudo. Nesta fase, é necessário perceber, para cada sistema, de que forma é que a informação flúi através dos seus membros e através de que regras básicas é que estes interagem entre si.
Numa fase posterior, passa-se para o trabalho teórico no qual se procuram estabelecer hipóteses e construir modelos que descrevam com eficácia o fenómeno em estudo. É nesta fase que o estudo de sistemas biológicos autoorganizados recebeu o contributo de alguns métodos da Física, em particular da física computacional. Hoje em dia, dado o grande avanço na computação, é possível construir simulações computacionais de sistemas complexos de muitas variáveis que nos permitem testar modelos e melhorá-los comparando os resultados com o que observamos na realidade. Essencialmente, procura-se nestas simulações obter o padrão que observamos no sistema em estudo definindo exclusivamente as regras locais de interacção entre indivíduos assim como as regras locais de interacção entre estes e o meio ambiente.
Exemplo: Térmitas
Vamos recorrer a um applet, criado em Netlogo, para simularmos uma colónia de térmitas virtuais onde, com base em instruções muito simples, podemos observar como é que a informação descentralizada pode dar origem a padrões emergentes à escala do sistema. Para tal carregue aqui.