O spin do electrão

spin

O spin é um conceito algo complexo de definir, por isso comecemos simplesmente por designar o spin como uma grandeza \vec{s}. No entanto, existe uma outra propriedade dos electrões que se explica facilmente e é proporcional a \vec{s}. Trata-se do momento magnético, \vec{\mu}, dado por:

\vec{\mu}=g_s\vec{s}

bússula

onde gs é um número. O facto dos electrões terem momento magnético significa que se comportam como uma agulha magnética colocada num campo magnético. Todos nós já vimos uma bússola e a sua agulha, e sabemos que a Terra produz um campo magnético cujo pólo Norte quase coincide com o pólo Norte geográfico da Terra e também sabemos que uma das pontas da agulha da bússola se orienta segundo o pólo Norte. Em resumo: Já vimos um íman, sabemos que tem dois pólos, que os pólos opostos se atraem e homónimos se repelem.

Imaginemos agora que comprávamos um íman em forma de ferradura e que entre os seus pólos, exactamente no meio, colocávamos outro pequeno íman. Imaginemos ainda que alinhávamos este segundo íman por forma a que os seus pólos ficassem voltados para os pólos opostos do íman em ferradura. O que aconteceria? Nada! Como por hipótese o pequeno íman estava colocado ao meio, eram iguais e opostas as forças que atraíam cada uma das suas extremidades para os pólos do íman em ferradura.

Percebido este exemplo e recordando que cada electrão é um pequeno íman, estamos em condições de descrever uma experiência semelhante a uma outra realizada, pela primeira vez em 1922, por Otto Stern e Walther Gerlach.

Dispositivo experimental de Stern-Gerlach.
Dispositivo experimental de Stern-Gerlach.

A figura mostra, esquematicamente, o dispositivo para fazer a experiência de Stern-Gerlach (SG). Temos um campo magnético, cujos pólos estão indicados na figura e cujo formato é diferente para indicar que agora o campo não é uniforme. Isto quer dizer que, contrariamente ao exemplo anterior, um íman colocado exactamente no ponto médio e alinhado com o campo exterior sofreria uma força resultante que o desviaria para um dos lados. Com efeito, em virtude do campo não ser uniforme, o seu pólo Sul seria, por exemplo, mais atraído para o pólo Norte do íman exterior do que o seu pólo Norte seria atraído pelo pólo Sul do íman exterior. Na experiência existe um dispositivo, chamado canhão de electrões, que produz um feixe destas partículas dirigido para a região central entre as extremidades do íman. Se não existisse o campo magnético, os electrões seguiam em frente e bateriam num alvo, onde produziriam luz por fosforescência, tal como acontece nos aparelhos de televisão, onde a imagem que vemos também resulta do embate de electrões. No tal alvo apareceria um ponto luminoso com o diâmetro do feixe. Existindo o campo magnético, o que seria de esperar é que este ponto luminoso fosse agora uma faixa alongada no sentido norte-sul. Com efeito, alguns electrões teriam o seu momento magnético alinhado com o campo e sofreriam um desvio máximo, para cima ou para baixo da zona central, consoante estivessem alinhados com o seu pólo Sul para cima ou para baixo. Entre estas duas posições extremas iriam bater os electrões cujos momentos fizessem com a direcção do campo exterior os mais variados ângulos, em particular, os que tivessem o momento magnético perpendicular ao campo exterior seguiriam em frente e continuariam a bater na zona central.

A primeira surpresa é que os electrões não se comportam assim. Quando não temos o campo magnético, batem efectivamente todos na posição central, mas, quando existe campo, em vez de se distribuírem por uma faixa alongada, o que acontece é que todos eles batem nos pontos correspondentes aos extremos desta faixa.

Experiência de Stern-Gerlach.
Canhão de electrões a verde, onde a seta representa o campo magnético não uniforme e as linhas as trajectórias dos electrões.

No esquema anterior, a seta indica o campo magnético não uniforme. Na sua ausência os electrões seguem a linha tracejada e produzem uma mancha luminosa na zona central do alvo. Quando existe um campo magnético, observam-se duas manchas luminosas, como se mostra no esquema. Podemos ainda melhorar a experiência: em vez de detectarmos os electrões observando a luz que produzem no alvo, vamos colocar nessas duas posições detectores que contam os electrões que lá chegam. De igual modo, contamos o número de electrões que, por segundo, saem do canhão. Nesta nova versão confirmaríamos quantitativamente os resultados já conhecidos. Assim, se por segundo o canhão emitisse N electrões, cada um dos dois contadores mediria N/2 electrões no mesmo intervalo de tempo.

Como interpretar esta experiência? À primeira vista parece que o canhão só produz electrões com momento magnético e portanto spin de dois tipos. Na falta de melhor nome chamaremos aos que são deflectidos para cima, electrões com spin «up» e aos que são deflectidos para baixo, electrões com spin «down». Vamos representar cada um destes estados do electrão da seguinte forma:

    up → |↑〉
down → |↓〉

A experiência permite concluir que a fonte de electrões produz o mesmo número de ups e downs.

Mas há qualquer coisa de errado nesta explicação. Como vivemos num espaço tridimensional, convencionemos que a direcção do campo magnético é segundo o eixo dos zz. Então, a nossa explicação implica que a fonte de electrões que usámos produz electrões todos com o seu momento magnético alinhado segundo o mesmo eixo, metade com o pólo Norte para cima e a outra com o pólo Sul para cima, mas nenhum inclinado. Que grande sorte! Antes de nos interrogarmos sobre a razão de tamanha sorte, façamos uma pequena verificação experimental. Sem alterarmos o canhão de electrões ou o método de detecção destes rodemos o campo exterior de um certo ângulo. Agora, em relação à nova direcção do campo, todos os electrões estão inclinados, o que lhes irá provocar uma deflexão menor. Esperaríamos então que as duas manchas ficassem mais perto da posição central. Mais ainda, se rodarmos o campo de 90°; os electrões estariam todos perpendiculares ao campo e este era justamente o caso em que não sofreriam deflexão.

O resultado da experiência não é este. Por mais que se rode o campo, os electrões serão sempre detectados nas mesmas duas posições. São sempre up ou down em relação a todas as direcções.

Daqui para a frente designaremos por dispositivo SG, uma montagem como a que temos vindo a usar. Esse dispositivo é como se fosse uma caixa com um campo magnético no seu interior, cuja direcção pode ser alterada, e onde num lado existe uma entrada para electrões e do outro duas saídas por onde saem electrões up e down, respectivamente. Esquematicamente teremos:

Dispositivo de Stern-Gerlach.
Dispositivo de Stern-Gerlach.

Coloquemos dois SG sequencialmente, ambos com o campo B paralelo, na mesma direcção e sentido. No primeiro, SG1, vamos fazer entrar os electrões produzidos no canhão. Depois fechamos a saída down do SG1 e fazemos entrar os electrões up no SG2. Por qual das saídas de SG2 sairão agora os electrões? Pela saída up. é verdade, este é o resultado desta experiência. Na saída do primeiro SG só temos electrões up, porque os outros foram bloqueados, e, portanto, do segundo SG saem os mesmos ups que tinham entrado. Logo, se no segundo SG bloquearmos a saída up, não saem electrões desta combinação de dois SG.

Façamos uma terceira experiência. Mantendo a mesma situação dos dois SG da experiência anterior, vamos apenas intercalar entre a saída do primeiro SG e a entrada do segundo um terceiro SG com o respectivo campo magnético B' rodado de 45°; em relação a B. De sublinhar que ao intercalar o terceiro SG não tocámos nem nos outros dois, nem tão-pouco na fonte inicial dos electrões. Como é óbvio, isto é sempre possível, basta termos previamente deixado entre os dois SG o espaço necessário para intercalar o terceiro. O que acontecerá agora? O SG1 continua a seleccionar exclusivamente os electrões up. Por outro lado, o último SG continua com a saída up bloqueada e apenas com a saída down aberta. Por este facto, antes de intercalarmos o terceiro SG, não saíam electrões. Contudo, com o terceiro SG intercalado, saem electrões pela saída down. Parece um truque de magia, mas não existe truque, o que é mágico é que estas sejam as leis da Natureza.

Numa dada direcção, definida pela direcção do campo magnético do SG, z por exemplo, o spin do electrão, chamemos-lhe |Ψ〉, exprime-se em termos dos estados |↑〉 e |↓〉 por um par de números (a,b). Temos então:

|Ψ〉 = a|↑〉 + b|↓〉

Outro aparelho SG, com outra orientação do campo, B', corresponde a uma nova base, digamos, |↑〉 e |↓'〉. Se o ângulo entre B' e o B inicial for θ, então também é possível relacionar os up' e os down' com os up e down. O resultado que se obtém é:

|↑'〉 = cosθ2|↑〉 - senθ2|↓〉

|↓'〉 = senθ2|↑〉 + cosθ2|↓〉

Também é possível fazer o contrário, isto é, inverter o sistema de equações anterior e exprimir os up e down na base dos up' e down':

|↑〉 = cosθ2|↑'〉 + senθ2|↓'〉

|↓〉 = -senθ2|↑'〉 + cosθ2|↓'〉

Podemos agora interpretar a experiência com os três SG. O primeiro funciona como analisador e na sua saída só temos estados up. Na ausência do SG intermédio, o último SG com a saída up bloqueada só deixaria passar electrões down, mas estes não existem. O que se passava quando intercalamos o outro SG com um novo B' rodado em relação aos dois anteriores é que, agora, estamos a definir uma nova base up' e down'. Então, usando as equações anteriores, o estado |↑〉 que entra no SG intermédio é

|↑〉 = cosθ2|↑'〉 + senθ2|↓'〉

Admitamos que o SG intermédio tem também a saída up bloqueada. Desde modo do SG intermédio sairá o estado |↓'〉. Mas, usando a equação |↓'〉 = senθ2|↑〉 + cosθ2|↓〉, down' é uma combinação linear de up e down, isto é,

|↓'〉 = senθ2|↑〉 + cosθ2|↓〉

e é esta combinação linear que entra no terceiro SG. Então na saída down deste SG já aparecem electrões.

Como já anteriormente tínhamos dito, as amplitudes são números cujo quadrado do módulo representam probabilidades. Assim, olhando para a última equação, o estado down', o tal que entra no último SG, terá uma probabilidade p = sen2θ2 de sair pela saída up e uma probabilidade q = cos2θ2 de sair pela saída down. Do mesmo modo, observando a equação |↑〉 = cosθ2|↑'〉 + senθ2|↓'〉, verifica-se que de todos os electrões up que entram no SG intermédio, a probabilidade dos down' é sen2θ2. O canhão inicial produz electrões no estado

|Ψ〉 = 12|↑〉 + 12|↓〉

isto é, com cinquenta por cento de probabilidade de serem up ou down. Portanto, a probabilidade total de observar o fenómeno que temos vindo a estudar é

p=\frac{1}{2}\sin^2\frac{\theta}{2}\cos^2\frac{\theta}{2}=\frac{1}{8}\sin^2\theta

Se θ = 0, esta probabilidade é nula, o que facilmente se compreende. Neste caso, o SG intermédio é igual ao primeiro SG dado que têm os mesmos campos magnéticos. Então se nele só entram electrões no estado up, só deveriam sair pela saída up, mas esta está bloqueada. O máximo valor de p é 1/8 e corresponde ao caso em que θ = π/2.

Luz a atravessar um polarizador.

As leis que regem o Mundo em que vivemos são de facto fascinantes. Faça você mesmo uma experiência em casa. Compre três pedaços de vidro polaróide, dos que são usados para fazer os óculos de sol que têm esse nome. Em frente a uma lâmpada coloque o primeiro desses vidros. A uma certa distância e paralelo ao primeiro coloque o segundo e rodem-no até não passar luz. Agora, sem mexer nestes dois vidros, intercalem o terceiro. Observará que a luz volta a passar.

Luz a atravessar um polarizador vertical seguido de um polarizador horizontal.

Os fotões, tal como os electrões, também têm spin. Nas unidades em que esta grandeza se mede, o seu valor é 1, enquanto que para os electrões é 1/2. Contudo, o que mais importa é que também existem dois estados, que usualmente se designam por polarizações. As leis da Física Quântica a que eles obedecem são as mesmas e a experiência que descrevemos acima é análoga à que estudámos com os electrões. Assim, a lâmpada emite fotões com ambas as polarizações, o primeiro polaróide selecciona só uma das polarizações e na ausência do polarímetro intermédio, o último foi orientado de modo a só deixar passar os fotões com a outra polarização. Por essa razão não passa luz. Depois intercalou-se o outro polaróide, rodado em relação ao primeiro de um ângulo θ e, como que por magia, voltou a passar luz.

Luz a atravessar um polarizador vertical, seguido de um polarizador rodado de um ângulo θ, seguido de um polarizador horizontal.