Entrevista com Claude Cohen-Tannoudji

Entrevista de Patrícia Faísca

Cohen-Tannoudji esteve em Lisboa, em Setembro de 2006, a convite do Centro de Física Teórica e Computacional da Universidade de Lisboa, onde proferiu uma palestra intitulada "Ultracold Atoms and molecules: Achievments and Perspectives". Foi nessa ocasião que falei com ele.

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Claude Cohen-Tannoudji Claude Cohen-Tannoudji

Claude Cohen-Tannoudji nasceu em Constantine, na Algéria Fran­cesa, e em 1953 foi para Paris on­de, em 1962, fez o doutoramento na École Normale Su­périeure sob a orientação dos Profes­sores Kastler e Brossel. Entre 1964 e 1972 foi Professor na Universidade de Paris e é, desde 1973, Professor no Col­lège de France. Fez toda a sua carreira de investigação no Labo­ratório Kastler-Brossel onde dirige o grupo de átomos frios.

Entre muitas distinções, recebeu o pré­mio Ampère da Académie des Sciences, o Thomas Young Medal and Prize do Institute of Physics, o Lilienfeld Prize da American Physi­cal Society, o Charles Townes Award da Optical Society of Amer­ica e o Quantum Electronics Prize da European Physical Society. É membro da Académie des Sciences francesa e Foreign Associate da US National Acad­emy of Sciences e da American Academy of Arts and Sciences.

É autor de vários livros entre os quais se destaca "Mécanique Quantique" que escreveu em co-autoria com Bernard Diu e Franck Laloë.

Em 1997, partilhou o prémio Nobel da física com William D Phillips e Steven Chu, pela manipulação e arrefecimento de átomos com a luz produzida por lasers.

PF — Em 1953, quando entrou para a École Normale Supérieure, qual era a sua ideia, fazer a "agrégation" em física ou em matemática?

CT — Inicialmente foi pela matemática que me senti atraído e por isso estava a pensar em estudar matemática. Mas nessa altura conheci alguns professores de física excepcionais –o Alfred Kastler, por exemplo–, que me fizeram mudar de ideias e estudar física.

PF — Mas então foi a física propriamente dita que o atraiu, ou foram os professores de física que teve?

CT — Foi principalmente a personalidade dos professores. O Alfred Kastler era uma figura excepcional. Era uma espécie de poeta da física. Ensinava física atómica com imensa imaginação e fantasia e na realidade foi a personalidade dele que me fez sentir atraído pela física.

PF — Em 1955 entrou para o grupo de Alfred Kastler onde fez investigação, uma grande parte da qual baseada em trabalho experimental, para obter o 'diploma'. Acha que o contacto inicial que teve com a ciência experimental influenciou de forma evidente a sua carreira como físico?

CT — Sim, sem dúvida. A maioria dos alunos do grupo do Alfred Kastler e do Jean Brossel faziam teoria e experiências. No meu caso particular, o trabalho que fiz foi apenas experimental. Quando se fazem experiências, desenvolve-se uma visão concreta daquilo que se esta a estudar e adquire-se uma ideia das ordens de grandeza relevantes. Depois, quando se usam modelos para explicar as observações, o ponto de partida desses modelos é um conhecimento muito concreto dos fenómenos. Acho importante para qualquer físico um treino experimental, ou um contacto próximo com os aspectos experimentais, que lhe permita ter noção do que é uma experiência, de quais são as limitações do trabalho experimental, quais as ordens de grandeza envolvidas no fenómeno que está a estudar e quais são os parâmetros importantes do sistema físico. É uma parte crucial do treino de qualquer físico.

PF — Foi nessa altura que começou a ser cientista?

CT — Sim, certamente. Quando somos alunos temos uma espécie de visão idealista daquilo que é a ciência. Lemos livros e tentamos aprender teoremas e coisas do género. Mas, quando estamos no laboratório, somos confrontados com dificuldades, tentamos interpretar aquilo que observamos, temos que discutir com os colegas e procurar falhas nas experiências. Penso que trabalhar no laboratório é essencial para desenvolver uma abordagem cientifica que consiste em observar, tentar perceber, criar um modelo e tentar verificá-lo.

PF — Actualmente ainda faz experiências no seu trabalho de investigação?

CT — Não, agora já não, mas no inicio da minha carreira eu próprio fiz experiências, ou pelo menos colaborava nelas. Isso aconteceu, não só para o 'diploma' e durante o doutoramento, mas também quando comecei a orientar alunos. Hoje em dia viajo tanto que não tenho tempo para estar pessoalmente envolvido nas experiências. Apenas sigo o que se passa.

PF — Como é que avalia a importância do trabalho computacional na sua área de investigação e na investigação em física em geral?

CT — Eu sou de uma geração que ainda não esta muito familiarizada com os computadores. E devo dizer que no meu trabalho cientifico nunca tive que usar um computador para desenvolver um modelo, testá-lo ou fazer um cálculo. Apenas uso computadores para escrever manuscritos e para preparar apresentações. Não recorro ao computador para fazer simulações e outras coisas desse género. Os meus colaboradores mais jovens, esses sim, estão muito mais familiarizados com o trabalho computacional. É claro que, por um lado, acho o trabalho computacional importante, mas por outro lado, penso que pode ser perigoso cair na tentação de recorrer imediatamente ao computador para tentar encontrar a solução de um problema que tenhamos que resolver. Penso que é melhor fazer modelos muito simplificados, para os quais seja possível obter resultados analíticos, e só depois de entendermos o que é fundamental devemos usar o computador para ver quais são os parâmetros importantes. Penso que o trabalho computacional é muito importante mas pode ser perigoso se nos restringirmos apenas a isso. Uma boa combinação é a de tentar encontrar modelos qualitativos, que nos dão uma ideia do que esta a acontecer, e só depois usar o computador para ver, com o auxilio de modelos mais quantitativos, quais são os parâmetros importantes. Existe o perigo de que o trabalho computacional não nos deixe encontrar o modelo mais simples por não ser necessário simplificar a situação. Fazemos os nossos cálculos numéricos e quando obtemos um resultado não temos uma ideia qualitativa sobre o que acontece na realidade, aquilo que é realmente importante, não sabemos qual o significado real do nosso resultado.

PF — Considera que a atribuição do Prémio Nobel, pelo desenvolvimento de métodos para arrefecer e confinar átomos com luz laser, foi o pico da sua carreira científica?

CT — Penso que se dá demasiada importância ao Prémio Nobel. Existem muitas pessoas que podiam tê-lo ganho. Não devemos estar obcecados com essa ideia. Conheço pessoas que vivem obcecadas com a ideia de ganhar o Nobel e acho que isso é muito mau e perigoso. Claro que ganhar o Nobel é uma enorme fonte de motivação, não só para a pessoa que o recebe e para os seus colegas, como também para todas as outras pessoas que trabalham nesse campo de investigação; mas isso não é tudo. Penso que geralmente, embora nem sempre, o Prémio surge numa altura que não coincide com o pico a nossa produtividade cientifica, e reporta-se a trabalho feito no passado – eu, por exemplo, tinha 64 anos quando o recebi. Na minha opinião a coisa mais emocionante quando se faz investigação é ter ideias novas e treinar e ensinar alunos. A produtividade máxima não é aos 64 anos, é aos 35 ou aos quarenta anos. O Prémio Nobel pode coincidir com o pico da nossa produtividade científica mas na maioria dos casos isso não acontece. Algumas pessoas recebem o Prémio Nobel muito jovens e isso pode 'matá-los': existe demasiada pressão por parte dos media e, quando se é muito jovem, pode perder-se a noção da realidade.

PF — Pode explicar alguma coisa sobre os mecanismos físicos envolvidos no arrefecimento de átomos neutros? Qual é a diferença entre o mecanismo de arrefecimento Doppler, proposto em 1975 por Hansch e Schawlow, e os mecanismos de arrefecimento Sisyphus e sub-recuo propostos pelo seu grupo nos anos 1980?

CT — A questão fundamental é a de como usar luz para mudar as propriedades dos átomos. Quando um átomo absorve um fotão dá-se um recuo que pode ser usado para alterar a velocidade do átomo. Este efeito pode ser repetido muitas vezes para se obter uma força grande. O efeito Doppler é uma via para tornar este efeito dependente da velocidade: dependendo da sua velocidade os átomos estão mais ou menos longe da ressonância e a força que actua sobre eles é maior ou menor. Esta diferença é crucial para arrefecer os átomos de grande velocidade.

CT — O mecanismo de arrefecimento por efeito Sisyphus é completamente diferente e permite atingir temperaturas muito mais baixas. É uma combinação do que eu chamaria um efeito dissipativo, absorção e emissão de luz, com um efeito reactivo, uma separação, devida à luz, dos subníveis do estado fundamental. Podem criar-se situações em que um átomo sobe a encosta de um potencial e é colocado de novo no fundo quando chega ao topo, e assim sucessivamente. O ponto importante é que o limite inferior por arrefecimento Sisyphus é mais baixo que o limite inferior por arrefecimento Doppler, o que o torna mais eficiente. Mas é claro que ambos os efeitos são importantes, porque se começa com arrefecimento Doppler, prossegue-se com arrefecimento Sisyphus, e pode-se ir ainda mais longe por sub-recuo, um mecanismo que não está limitado pela velocidade de recuo do átomo.

CT — O arrefecimento por evaporação é uma outra forma de arrefecimento que permite atingir temperaturas extremamente baixas. O que é atraente neste campo é o facto de existirem muitos mecanismos possíveis, que podem ser bastante diferentes, e têm limites de arrefecimento diferentes. Ao combiná-los podemos atingir temperaturas cada vez mais baixas. Isto não estava previsto, e tivemos muitas surpresas agradáveis à medida que fomos desenvolvendo o nosso trabalho.

PF — Qual foi a sua reacção ao feito de Eric Cornell e dos seus colaboradores quando em 1995 conseguiram criar o primeiro condensado de Bose-Einstein de um gás diluído?

CT — Fiquei muito impressionado, porque foi como conseguir o Santo Graal da física atómica. Para além disso, o trabalho era de uma qualidade excelente. Este é um campo de investigação no qual as pessoas tem vindo de surpresa em surpresa, mas as surpresas têm sido sempre boas. Nós tínhamos muitos sonhos e esses sonhos tornaram-se realidade. A condensação de Bose-Einstein (BEC) era tida como um sonho e conseguimos observá-la. O mesmo se passa com computadores quânticos. As pessoas tem vindo a sonhar com eles e esperamos que um dia possam tornar-se reais.

CT — A teoria BEC do Einstein foi durante algum tempo considerada irrealista porque lidava com gases perfeitos. Á baixa temperatura à qual a BEC estava prevista a maioria dos átomos estão no estado sólido ou líquido, e portanto muito longe de serem um gás perfeito. Hoje em dia sabemos como arrefecer gases muito diluídos até temperaturas muito baixas. A essas temperaturas, o comprimento de onda de de Broglie dos átomos é maior que a distância média entre eles (uma condição necessária para a BEC ocorrer). Como essa distância média é maior que o alcance das interacções entre pares de átomos (uma situação que se verifica para um gás diluído), as colisões de três corpos, que são necessárias primeiro para a formação de moléculas, e depois para a formação de líquidos e sólidos, tornam-se muito raras e o sistema pode permanecer no estado gasoso por um período de tempo suficientemente longo para que a BEC ocorra.

CT — O arrefecimento criogénico permite-nos atingir temperaturas da ordem do Kelvin e milikelvin. Mas a escala dos micro- e nano-kelvin parecia inatingível. Os novos métodos por arrefecimento laser e por evaporação abriram-nos a possibilidade de atingir esta gama de temperaturas, e nesta gama de temperaturas a ocorrência da BEC, tal como previra Einstein, deixa de ser um sonho e pode ser observada. Às vezes, quando novas ordens de grandeza são atingidas em física, cenários que pareciam pura especulação tornam-se realidade.

PF — Quais são na sua opinião as aplicações mais interessantes do arrefecimento por laser?

CT — Para além da BEC, existem experiências de alta resolução em que se consegue aumentar em ordens de grandeza a precisão das medidas. Espectroscopia de alta-resolução, relógios atómicos e interferometria, e ainda outras situações relacionadas com a natureza ondulatória dos átomos e nas quais estes se comportam como ondas numa larga gama de parâmetros. O BEC permitiu estudar um novo estado da matéria, e o arrefecimento por laser é importante no campo da informação quântica, onde existem várias ideias baseadas na utilização de átomos arrefecidos por laser. A transição de Mott superfluido-isolante é também muito promissora neste aspecto.

PF — Quais são os seus actuais interesses de investigação?

CT — No meu grupo estamos a trabalhar em BEC, mas eu apenas sigo o que vamos fazendo sem estar envolvido numa experiência específica. O meu interesse principal é a mecânica quântica macroscópica.

PF — Na sua autobiografia Nobel diz, a certa altura, que o seu pai lhe ensinou aquilo que considera serem as características mais importantes da tradição judaica: estudar, aprender e partilhar o conhecimento com os outros. Como avalia a importância que a sua actividade pedagógica tem tido ao longo da sua carreira de investigação?

CT — Tem sido essencial. Penso que temos que ter uma compreensão total daquilo que ensinamos. De facto, a melhor maneira de aprender uma coisa é ter que a ensinar. Eu tive imensa sorte em estar no Collège de France (CDF), porque no CDF temos que ensinar assuntos diferentes todos os anos. Claro que isto é muito difícil, mas ao mesmo tempo obriga-nos a ler imenso. Hoje em dia publica-se tanto que, em relação a muitos trabalhos, apenas lemos o sumário e damos uma vista de olhos rápida pelo artigo. Ensinar um certo assunto que é abordado num artigo obriga-nos a lê-lo em detalhe, e a perceber completamente as ideias novas que aí são desenvolvidas. Ensinar algum assunto obriga-nos também a adoptar uma perspectiva muito abrangente, que é importante para desenvolvermos as nossas próprias ideias. De facto, tomei a decisão de começar a fazer experiências de arrefecimento e trapping por causa daquilo que ensinei no CDF. Dei durante quatro anos aulas sobre arrefecimento de iões e átomos. Ao estudar os detalhes dos mecanismos, consegui desenvolver novas ideias e decidi trabalhar nesta área. Por isso, ensinar é essencial, e não imagino a investigação sem ensino, assim como não imagino o ensino sem a investigação. Se ensinarmos sem fazer investigação tornamo-nos obsoletos muito rapidamente.

PF — Uma vez escreveu que o Alfred Kastler era um poeta da física, que tinha imensa ideias elegantes, enquanto que o Jean Brossel era um experimentalista notável que tinha um conhecimento profundo dos processo físicos. Concorda com o Peter Medawar quando ele diz que a maior parte das pessoas que são de facto cientistas podiam facilmente ter sido outra coisa qualquer? ("…there is no such thing as an Obligative scientific mind")

CT — Sim, certamente. Eu penso que a ciência é uma forma de cultura e que se pode fazer ciência com estilos muito diferentes. Podemos, tal como um poeta, enfatizar a elegância e a beleza de uma ideia ou de uma experiência. É uma questão que tem que ver com a nossa personalidade. O Alfred Kastler e o Jean Brossel tinham personalidades diferentes mas muito complementares. Eles tinham imensas ideias elegantes e bonitas. Mas também é muito importante, especialmente em mecânica quântica, onde as imagens podem ser enganadoras, que essas imagens sejam consistentes com a mecânica quântica, e isso não é fácil. O problema com a criatividade é o de imaginar situações novas, e ao mesmo tempo manter o rigor por forma a evitar perdermo-nos nalguma ideia sem sentido. É um equilíbrio delicado.

PF — O livro de mecânica quântica que escreveu com Bernard Diu e Franck Laloe tem tido um sucesso enorme ao longo dos últimos trinta anos– eu diria mesmo, um sucesso sem igual entre os livros originalmente publicados em Francês. Houve da parte dos autores a previsão deste sucesso? Algum de vós foi capaz de antecipar este sucesso? De que forma procuraram escrever um livro de texto de mecânica quântica que fosse 'diferente' dos livros existentes na altura?

CT — Não, francamente não previmos este sucesso. De facto, a primeira crítica que tivemos do editor foi negativa, já que considerou o livro como sendo demasiado detalhado. Nessa altura nós ensinávamos os três mecânica quântica, mas decidimos que não iríamos dividir o livro em três partes e escrever cada uma separadamente. Escrevemos cada capítulo após muitas discussões detalhadas e muitas correcções. Levou-nos muito tempo, mas essa interacção foi muito importante para clarificar conceitos. Como estávamos a ensinar mecânica quântica, sabíamos quais as dificuldades dos alunos, e tentámos responder em antecipação às suas perguntas e dúvidas. A estrutura que adoptámos para o livro, em capítulos e complementos, deu-nos a possibilidade de separar o 'núcleo duro' dos assuntos complementares com vários níveis de dificuldade que se podem estudar, caso se queira, ou deixar de lado numa primeira leitura. Isto deu ao livro uma boa flexibilidade, e é provavelmente isso que explica que o livro seja apreciado por públicos muito diferentes que nele conseguem encontrar o que procuram. Pode ser ajustado ás necessidades de cada um. É um livro 'self-service'! Foi uma boa ideia tê-lo feito assim, mas no início não nos apercebemos disso.

PF — O vosso livro jogou um papel importante ao tornar vários tópicos da mecânica quântica parte standard dos curricula adoptados ao nível da formação pré-graduada. Também foi importante no treino de várias gerações de físicos e químicos. Acha adequados os curricula de física adoptados actualmente, ou existem tópicos que deviam ser introduzidos?

CT — Tenho dificuldade em responder a essa pergunta porque deixei a Universidade em 1973. Tenho estado no CDF onde ensinamos aquilo que queremos e por isso não tenho seguido a evolução do ensino da física nas últimas décadas. Penso que é importante manter uma visão moderna da física, bem como uma abordagem baseada nas experiências. Ao mesmo tempo, não devemos sobrecarregar os alunos com muitas matérias. É claro que, ao nível do ensino secundário devemos tentar tornar a física mais atraente mostrando a sua importância na vida do dia-a-dia: nos computadores, nos telemóveis, rádios, CDs etc. é importante ter a noção de que em qualquer objecto tecnológico que usamos existem efeitos quânticos que o fazem funcionar. Também gostaria de enfatizar a importância de experiências pedagógicas do tipo "mãos à obra" que estão a ser testadas em vários países. A ideia é que, na escola primária, os miúdos mais novos, que são muito curiosos, explorem certas situações – com jogos ou pela observação de fenómenos simples e usando equipamento barato – que os levem a desenvolver uma abordagem científica e a fazer perguntas: "Porque é que isto funciona assim?", "Como poderei eu verificar que esta ideia é boa?" Penso que apresentar a ciência tal como ela é, como um jogo ou como uma história de detectives, e não como algo dogmático, é muito importante. Também acho que é importante ensinar história da ciência, mostrar como as coisas tem sido descobertas e inventadas, como a história humana mudou ao longo dos séculos e como o conhecimento do mundo tem progredido. É importante ter em mente esta perspectiva histórica quando se tenta desenvolver a educação.

PF — Como avalia o objectivo de levar a ciência ao grande público?

CT — Tal como a arte, a musica e a poesia, a ciência e a aventura científica fazem parte da cultura. É crucial criar nas pessoas uma atitude crítica por forma a evitar que aceitem ideias falsas e sigam caminhos errados. As pessoas devem ser treinadas para examinar cada situação de uma forma crítica e a não caírem em disparates como a astrologia e o misticismo. A ciência também nos ensina como é importante discutir com as outras pessoas. Para testarmos a nossa hipótese temos que admitir que podemos ter cometido erros, e desenvolver a capacidade de diálogo é uma protecção contra a intolerância e o fundamentalismo. Por isso, levar a ciência ao público em geral é importante para proteger a sociedade do racismo e outros desvios. Claro que existem alguns cientistas que são loucos, e racistas, mas de uma maneira geral os bons cientistas são contra o fanatismo e o fundamentalismo e compreendem claramente o que é a tolerância e a importância do diálogo com os outros.

PF — O senhor é membro do comité executivo do International Human Rights Network of Academies and Scholarly Societies. Acha que os cientistas, em especial os laureados com o Prémio Nobel, têm uma responsabilidade especial de intervir em assuntos de ordem ética?

CT — Acho que há que ter cautela. É evidente que devemos protestar contra qualquer violação dos direitos humanos e ter sempre em mente considerações de ordem ética. No entanto, o facto de termos ganho um Prémio Nobel não significa que possamos ter ideias sobre qualquer problema. Como vencedor de um Prémio Nobel eu tento tomar posições apenas em assuntos que são do meu domínio de conhecimento, ou seja, ciência e educação. É claro que como cidadão posso ter as minhas próprias opiniões sobre questões que dizem respeito à sociedade ou assuntos de ordem filosófica, mas não quero expressá-las na condição de vencedor do Prémio Nobel. Isso não seria justo. É por isso que neste comité nós apoiamos cientistas, na maioria dos casos cientistas que são perseguidos e encarcerados, e algumas vezes condenados à morte, por regimes extremistas. Assinamos cartas que podem ajudá-los porque o governo que os condenou sabe, a partir desse momento, que o caso se torna parte do domínio público. Em alguns casos temos tido sucesso em ajudar a libertar estas pessoas, mas nem sempre é assim.

PF — Qual a mensagem que na sua opinião devia ser transmitida aos mais novos por forma a aumentar o interesse das novas gerações por uma formação em Física?

CT — Penso que seria bom mostrar que a ciência não é aborrecida; é uma aventura excitante. Conseguir isto depende essencialmente da habilidade do professor atrair intelectualmente os alunos para a ciência. Infelizmente os media e a televisão são demasiado passivos. Os miúdos passam demasiado tempo em frente da TV e aceitam o que vem de uma forma passiva. Quando eu era criança discutia com os meus pais e amigos o que acontecia no mundo. Tínhamos mais tempo para ler e para discutir com as outras pessoas. Hoje em dia existem muitas coisas que nos podem distrair. Seria importante desenvolver desde muito cedo a capacidade de reflexão.

PF — Se pudesse regressar aos anos 1950 optaria por voltar a estudar física?

CT — A pergunta é abstracta e não sei a resposta. É obvio que existem grandes desafios na biologia; saber como funciona o cérebro, o que é a memória, a emoção e a consciência são questões fascinantes. Existem imensos problemas 'grandes'…Mas na física também há coisas excitantes. Mais uma vez acho que é uma questão de personalidades: temos que ter professores e colegas que sejam capazes de nos transmitir algum entusiasmo. O importante é que nos dediquemos com entusiasmo a um certo assunto em vez de aprendermos de uma forma passiva. Para progredir em ciência é necessário combinar conhecimentos de muitos campos diferentes. Seria um erro se toda a gente escolhesse fazer biologia porque precisamos também de muitas outras contribuições.