O meu primeiro modelo

Agora vamos explorar o nosso primeiro modelo. Pode faze-lo usando o applet seguinte, no entanto sugerimos que utilize o ambiente NetLogo, pois alguns menus só estão disponíveis no ambiente NetLogo. Para correr este modelo no ambiente NetLogo, basta seguir o link bichos, se tiver instalado o software.

Elenco, cenário e enredo

Este programa pretende ilustrar os resultados dos dois modelos mais simples para simular a evolução de uma população isolada num certo habitat: A dinâmica exponencial e a logística.

O caso da dinâmica exponencial resulta de supor que o único factor que influencia a variação do número de indivíduos é o balanço entre natalidade e mortalidade, que supomos positivo (caso contrário a espécie extingue-se).

Um modelo mais realista deve incorporar o efeito de competição pelos mesmos recursos, que limita o crescimento de qualquer população. O modelo logístico é o mais simples que tem em conta este efeito.

Neste modelo supõe-se que cada território só pode ser ocupado por um indivíduo e que os indivíduos podem mover-se (ou não) entre os vários territórios durante o seu período de vida.

O NetLogo fornece uma maneira simples de modelar os indivíduos de uma espécie (chamados turtles) e os territórios (chamados patches), pois vem munido de um mundo rectangular dividido em quadrados (patches) de coordenadas inteiras. Podemos dar as dimensões do mundo se estivermos a trabalhar no ambiente NetLogo, basta para tal clicar em e de seguida introduzir os novos valores, cf. figura seguinte.

No NetLogo a distância do centro até à extremidade direita ou esquerda é chamada screen-edge-x e a distância do meio aos extremos superior ou inferior é chamada screen-edge-y, cf. figura seguinte.

Os mundos do NetLogo têm a peculiaridade de serem toroidais (i.e. têm a forma de um doughnut). Por exemplo, se na figura anterior estivesse uma turtle no ponto de coordenadas (3,2) e se esta se movesse para o ponto (4,3) este seria identificado com o ponto (-3,-2) = (4 -(2screen-edge-x + 1) , 3 -(2screen-edge-y + 1)). Esta operação é análoga àquilo que fazemos com as horas: –a cada 12 horas que passam retiramos 12. No caso do mundo do NetLogo adicionamos, ou subtraímos, múltiplos inteiros da largura e altura do mundo até que as coordenadas fiquem dentro deste rectângulo. Este vídeo (fonte) mostra por que razão esta identificação dos pontos faz do mundo NetLogo um toro.

Uma vez apresentados o elenco e o cenário, passemos ao enredo:

  1. Coloca-se um número inicial de bichos (turtles) ao acaso no mundo. Ao contrário dos patches as coordenadas de cada bicho não têm de ser inteiras.
  2. Cada bicho tem uma certa probabilidade de se reproduzir (taxa de reprodução). Em cada geração, cada bicho pode dar origem no máximo a um novo descendente, o qual é colocado num ponto ao acaso no interior da circunferência de raio 2 centrada no progenitor.
  3. Opcionalmente pode-se permitir que em cada geração os bichos se desloquem no mundo com uma certa velocidade v, ou seja que se movam no seu habitat. Caso os bichos se movam, a posição final de cada bicho é um ponto escolhido ao acaso no interior da circunferência de raio v centrada na posição inicial de cada bicho.
  4. Opcionalmente pode-se introduzir um factor de competição. Se dois bichos ocupam o mesmo território (patch), um deles, escolhido à sorte, morre.

Interagindo com o modelo

O leitor é agora convidado a experimentar este modelo no applet do topo desta página.

A interacção com os modelos em NetLogo é feita através de uma interface gráfica que se encontra dividida em três partes (controlo, configuração e apresentação) segundo um código de cores:

Controlo:
Botões que preparam, começam, param ou colocam o modelo nas condições iniciais ( azul ).
Configuração:
Cursores e interruptores que alteram os parâmetros do modelo ( verde ).
Apresentação:
Monitores e gráficos que apresentam os resultados de uma forma humanamente compreensível ( bege ).

Para começar qualquer modelo em NetLogo é necessário clicar primeiro em preparar.

O controlo do modelo

Quando um botão é premido, o modelo responde com uma acção, consoante o tipo de botão.

Botões do tipo uma vez executam uma acção (porção de código) uma vez. Quando a acção termina, o botão salta.
Botões do tipo para sempre executam repetidamente uma acção (porção de código). Quando se pretende terminar a acção, deve carreguar de novo no botão. Este saltará quando terminar a acção que presentemente está a executar.

A maior parte dos modelos têm um botão do tipo uma vez, chamado preparar, e um botão do tipo para sempre chamado executar. A maior parte dos modelos têm também um botão do tipo uma vez chamado executar uma vez.

A configuração do modelo

Existem essencialmente duas formas de variar os parâmetros de um modelo em NetLogo, através de cursores ou de interruptores. O seu propósito é testar diferentes cenários ou hipóteses. A alteração dos parâmetros e a posterior execução do modelo permite ver como este reage a essas alterações e desta forma obter uma compreensão mais profunda do fenómeno que está a ser modelado.

Cada cursor tem um intervalo de valores que pode ser ajustado. À medida que se move o marcador do valor mínimo ao valor máximo, o parâmetro toma o valor do lado direito do cursor. Por exemplo o cursor numero-inicial-bichos tem o valor mínimo de 0 e o valor máximo de 100. O modelo pode ser executado com qualquer número inicial de bichos entre 0 e 100.
Os interruptores são usados para explorar universos alternativos. Por exemplo o interruptor competicao? permite ver como a existência / ausência de competição afecta a população de bichos.

A apresentação dos resultados

Um dos propósitos da criação de modelos é a recolha de dados sobre um assunto ou tópico que seriam difíceis de obter laboratorialmente, quer seja por questões de recursos, éticas, dificuldade no controlo de algumas variáveis ou outras. O NetLogo tem duas formas de apresentar os dados ao utilizador: gráficos e monitores.

Os gráficos permitem visualizar de que forma as variáveis em estudo estão relacionadas, por exemplo como é que a população varia com o tempo (geração).
Por outro lado os monitores permitem ver os valores das variáveis em cada instante.

Conclusões

O efeito da competição

Quando não há competição, as únicas acções que cada bicho pode executar são a reprodução e, eventualmente, o movimento aleatório dentro do seu habitat. Nesta versão do modelo, o único ingrediente que altera o número total de indivíduos é a reprodução. Como seria de esperar, a população total cresce exponencialmente.

Por outro lado quando há competição, há mais um factor que altera o número total de bichos: –morre um bicho por geração em cada território sobrelotado. Neste caso observam-se igualmente flutuações em torno de um valor de equilíbrio. Isto reflecte o facto de quer o movimento dos bichos, quer a taxa de natalidade serem aleatórios (em torno de um valor médio escolhido pelo o utilizador). Estes três factos em conjunto fazem com que os eventos de morte por competição possam variar de geração para geração, dando origem a flutuações no número de bichos presentes.

O efeito do número inicial de bichos

O efeito do número inicial de bichos é irrelevante a longo prazo (se a população inicial for maior que zero). Comparemos os dois casos numero-inicial-bichos = 10 e numero-inicial-bichos = 100:

Em ambos os casos a população estabiliza em torno do mesmo valor.

Um dos exemplos deste fenómeno é a população actual de elefantes marinhos (Mirounga angustirostris), os quais foram caçados quase até à extinção no séc. XIX pela sua pele, gordura e óleos. Os elefantes marinhos encontraram refúgio na ilha de Guadalupe, México, no virar do século e pensa-se que a sua população total terá caído para a casa dos 100 a 1000 indivíduos. Actualmente os elefantes marinhos são uma espécie protegida e a sua população ultrapassa os 100 000 indivíduos.

O efeito da velocidade

A velocidade com que os bichos se deslocam entre gerações influencia adversamente a população de equilíbrio. Comparemos os dois casos velocidade = 0 e velocidade = 1.0:

Quando a velocidade é 0, observa-se uma dinâmica logística, ou seja a população estabiliza para um número total de indivíduos igual ao número de territórios, neste caso 1225 que é o número de patches da janela gráfica. Este fenómeno (a ocupação total do espaço disponível) pode frequentemente ser observado em florestas naturais de uma só espécie, como por exemplo nos pinhais.

Quando escolhemos velocidade > 0, observamos que o valor em que a população total estabiliza diminui à medida que a velocidade aumenta. Tal é consequência da mudança de territórios (compare-se com o exemplo das florestas monoespécie) que aumenta as possibilidades de competição e deixa territórios desocupados. Este fenómeno é um dos factores por detrás da menor densidade das populações animais em comparação com as vegetais.

O efeito da taxa de natalidade

A fertilidade favorece o aparecimento de populações de equilíbrio que aumentam, à medida que esta aumenta.

Quando a taxa de natalidade é baixa existem muitas oportunidades dos bichos morrerem por competição ao longo das várias gerações (tantas mais quantos os bichos existentes), mas poucas oportunidades de crescimento populacional devido à baixa fertilidade; consequentemente a população estabiliza num número baixo de indivíduos. Este fenómeno explica a dificuldade do programa de conservação do panda gigante (Ailuropoda melanoleuca), o qual é bastante selecto na escolha de parceiros sexuais e está em perigo devido a destruição do seu habitat.

Naturalmente o aumento da taxa de natalidade mais que compensa as mortes por competição, pelo que a população estabiliza num número maior de indivíduos. Um exemplo é a população de moscas do lago Mono (Ephydra hians) que devido à sua grande fertilidade e ciclo de vida curto formam populações muito densas.