Os ingredientes da autoorganização crítica

Até à data ainda não é conhecido um conjunto geral de características que garantam que um sistema se autoorganize criticamente. No entanto autoorganização crítica é tipicamente observada em sistemas abertos nas seguintes condições:

  • Existe uma forçamento externo no sistema (por exemplo, energia que entra no sistema por um lado e sai por outro). Exemplo: os grãos de areia a caírem lentamente sobre a pilha de areia. Nota: um grão de areia traz uma pequena quantidade de energia potencial que é libertada sob a forma de calor à medida que este escorrega e eventualmente pára ao longo da encosta da pilha.
  • A escala de tempo em que ocorrem as avalanches é muito menor que a escala de tempo do forçamento externo. Exemplo: na pilha de areia os grãos caem lentamente na escala de tempo das avalanches, pelo que a avalanche não é perturbada pelo forçamento externo.
  • Existem limiares locais, do tipo interruptor, a partir dos quais a dinâmica muda bruscamente. Exemplo: se a pilha de areia ficar demasiado íngreme localmente os grãos de areia caem para as regiões em redor.

Exemplos de autoorganização crítica

A autoorganização crítica é um candidato plausível da complexidade (um sistema diz-se complexo quando tem estrutura em várias escalas) observada na Natureza e fornece um mecanismo para a emergência do comportamento complexo a partir de interacções locais simples. Os seus conceitos têm sido aplicados entusiasticamente em vários domínios científicos na explicação de vários fenómenos, que, frequentemente, são de grande relevância económica. Vejamos alguns exemplos de sistemas que se suspeita estarem autoorganizados criticamente.

Fogos florestais

Os indícios:

  • O forçamento externo é o crescimento de novas árvores, que ocorre numa escala de tempo bastante alargada em comparação com a duração de um fogo florestal.
  • Existe um mecanismo tipo interruptor, uma árvore pode eventualmente incendiar uma vizinha somente se estiver a arder (a causa do incêndio pode ser um relâmpago, por exemplo).

A existência de uma relação em lei de potência entre a área ardida AF e a sua respectiva frequência anual f, para diferentes sistemas florestais, como ilustrado nos gráficos seguintes, é um sinal revelador que os fogos florestais podem estar autoorganizados criticamente.

Lei de potência nos fogos florestais.

A chuva

Os indícios:

  • O forçamento externo é a entrada de novas moléculas de água e de partículas coloidais na atmosfera. As partículas coloidais vão adsorvendo as moléculas de água e formam pequenas gotículas que se mantêm em suspensão devido ao movimento browniano. Este forçamento ocorre numa escala de tempo bastante superior ao tempo que uma gota de chuva leva a cair (avalanche).
  • Existe um mecanismo tipo interruptor, pois a partir de certa altura a gota fica demasiado pesada para que o movimento browniano a consiga suster.

A existência de uma relação em lei de potência entre o volume de chuva e a respectiva frequência já era pelo menos suspeitada desde os trabalhos de E. Hurst sobre as cheias do rio Nilo em 1957. No gráfico seguinte podemos ver essa mesma relação para uma experiência mais detalhada, coordenada pelo Instituto Max Plank de Meteorologia e realizada em Zingst (54°43'N 12°67'E), na costa do mar Báltico em 1999. A experiência consistiu em medir o volume de chuva e a respectiva frequência por radar de efeito de Doppler, definindo-se como acontecimentos distintos os aguaceiros separados por mais de um minuto sem chover. A existência desta lei de potência é um sinal revelador que a formação da chuva pode ser um fenómeno de autoorganização crítica.

Lei de potência na pluviosidade.

Os sismos

Os indícios:

  • O forçamento externo é o lento movimento das placas tectónicas. Este forçamento ocorre numa escala de tempo bastante maior do que a escala de tempo em que ocorrem os sismos (tipicamente alguns segundos ou minutos).
  • Pensa-se que quando a tensão acumulada numa porção de uma placa tectónica atinge o ponto de ruptura, se cria uma fenda (se não existir já uma nesse ponto) e ocorre um deslize ao longo desta provocando um sismo (avalanche). Este é o mecanismo tipo interruptor.

A existência de uma relação em lei de potência entre a magnitude e o número de sismos maiores que essa magnitude por ano (relação esta conhecida por lei de Gutenberg Richter) é um sinal revelador que os sismos podem estar autoorganizados criticamente. No gráfico seguinte encontram-se os dados sísmicos medidos na Califórnia do Sul de 1984 a 2000, cobrindo as latitudes de 20°N a 45°N e as longitudes de 100°W a 125°W, tendo sido registados 293405 sismos nesse período. Os geólogos crêem que o afastamento da lei de potência para magnitudes inferiores a 2 se deva à dificuldade em medir sismos de magnitude tão baixa.

Lei de potência no número de sismos.