Nanomanufactura

A nanomanufactura parece ser algo extremamente complexo. Como é que é possível construir um nanorrobô com nanopeças se nos deparamos com problemas como o dos "dedos gordos" e "dedos pegajosos" Actualmente as aplicações industriais das nanotecnologias estão principalmente ligadas à caracterização de materiais e à produção de novas substâncias químicas e novos materiais. Ferramentas sofisticadas, tais como STM, AFM e TEM, permitem a caracterização da superfície dos materiais à escala do nanómetro, sendo observados e analisados átomos individuais. Ainda estamos longe de ter uma linha de montagem de nanorrobôs, mas já se estudam as melhores formas de manufactura e manipulação do mundo à escala do nanómetro.

Técnicas de Fabrico

Existe uma grande variedade de técnicas capazes de criar nanoestruturas com vários graus de qualidade, rapidez e custo. Estas técnicas subdividem-se em duas categorias diferentes: “bottom-up” e “top-down”. Nos últimos anos os limites de ambas as técnicas em termos de tamanho e qualidade, começaram a convergir.

Bottom-up

Bottom-up

O processo de fabrico bottom-up envolve a construção de estruturas, átomo a átomo ou molécula a molécula. Este tipo de construção pode ser dividido em três categorias diferentes:

  1. síntese química,
  2. autoconstrução e
  3. montagem posicional.

A última técnica é a única onde os átomos ou moléculas são deliberadamente colocados um a um. Nas outras técnicas, de uma forma geral, manipulam-se conjuntos ou aglomerados de moléculas ou partículas através de processos naturais.

1. Síntese Química

A síntese de produtos químicos é um método de produzir materiais, tais como as moléculas ou as partículas, que podem ser usadas directamente como produtos na sua forma desordenada, ou como blocos de construção em materiais com estrutura organizada e bem definida, produzidos segundo as técnicas esboçadas nas secções descritas abaixo. Este tipo de processos baseia-se na mudança de fase de uma dada substância química (denominada percursor) seguida de uma reacção química que possibilita a formação de nanopartículas ou nanomateriais.

Síntese Química

A capacidade de produzir e manipular é extremamente importante para a produção de nanomateriais: misturar partículas à escala do nanómetro antes destas se aglomerarem pode criar materiais completamente novos. Estes novos materiais nanoestruturados ainda só existem à escala de síntese laboratorial (produção de quilogramas por dia, ou ainda menos).

2. Autoconstrução

A autoconstrução é uma técnica bottom-up de produção em que os átomos ou moléculas se arranjam nas estruturas desejadas à escala do nanómetro através de interacções físicas ou químicas entre as várias unidades. A formação de cristais de sal ou flocos de neve é um exemplo de autoconstrução. Embora este tipo de processos ocorra na natureza à milhares de anos, a sua aplicação à industria é relativamente recente. Existe um enorme interesse económico e ambiental no sucesso deste tipo de processos onde os materiais ou componentes dos produtos se originam a si mesmos; contudo ainda não se consegue controlar os mecanismos que estão por detrás dos mecanismos de autoconstrução. A compreensão actual destes sistemas ainda só permite a sua utilização em processos rudimentares.

autoconstrução
Esquema ilustrativo do processo de autoconstrução sem acção de agentes externos.

Uma técnica de processamento com especial interesse do ponto de vista industrial, envolve o uso de uma força externa (campo magnético ou eléctrico, por exemplo) para acelerar o processo de autoconstrução geralmente lento. Esta técnica denomina-se autoconstrução dirigida.

A autoconstrução não é apenas um princípio que pode ser adaptado para a produção em massa à escala do nanómetro. É também uma área de enorme relevância cientifica proporcionando um melhor discernimento sob a forma como o mundo funciona.

MBE – Molecular Beam Epitaxy

Na MBE os elementos constituintes da nanoestrutura são convertidos em feixes moleculares que são posteriormente depositados sobre um substrato cristalino formando várias camadas epitaxiais finas. Esta deposição sobre o substrato, denominada aterragem suave, é conseguida através da desaceleração dos iões antes destes atingirem o mesmo, caso contrário teríamos uma aterragem forçada. Quando as substancias se ligam ao substrato, formam uma estrutura fixa, determinada pelas suas propriedades naturais e as do substrato. Se se controlar a quantidade e o tipo de átomos e moléculas que se depositam no substrato podem-se criar estruturas diferentes. Visto o MBE possibilitar a produção controlada de cristais de alta qualidade com uma espessura de poucos átomos, a técnica é utilizada em campos como a nanoelectrónica e a nanofotónica.

Fotografia de um sistema de MBE.
Fotografia de um sistema de MBE.
Deposição de vapor

Na deposição de vapor, os percursores da nanoestrutura desejada são vaporizados de diferentes formas e depositados num substrato de forma a originar o cristal desejado. As técnicas de deposição de vapor podem ser divididas em duas categorias principais: deposição de vapor química (CVD), na qual os cristais são criados por meio de uma reacção química, e a deposição física de vapor (PVD), na qual estão apenas envolvidos processos físicos. Existem diferentes tipos de CVD, consoante os mecanismos que são utilizados para promover as reacções.

3. Montagem Posicional

A última técnica bottom-up é a montagem posicional, na qual átomos, moléculas ou agregados de átomos são deliberadamente manipulados e posicionados um a um. Aqui são utilizadas técnicas como a microscopia por varrimento de sonda para trabalhos em superfícies, ou pinças ópticas em espaço livre. A montagem posicional é extremamente trabalhosa e actualmente não é o processo industrial mais apropriado para a manipulação à escala atómica. A microscopia por varrimento de sonda é um ramo da microscopia onde a imagem da superfície em estudo é feita através de um sensor que faz o varrimento do espécime. A imagem da superfície é obtida fazendo o varrimento de toda a amostra por um sensor numa sucessão de linhas de varrimento paralelas e registando a interacção do sensor com a superfície em função da posição. A utilidade e o peso da microscopia por varrimento de sonda a nível industrial está ligada à sua capacidade de caracterizar e medir com precisão a nível atómico e não à sua utilização como ferramenta de fabrico. De facto, apesar desta ser a forma mais intuitiva de montar um robô, à escala do nanómetro ela é ainda extremamente complexa.

Esquema do funcionamento de um microscópio por varrimento de sonda.
Esquema do funcionamento de um microscópio por varrimento de sonda. Este é constituído por um sistema de varrimento da amostra (1), geralmente por meio de um elemento piezoeléctrico, de um sensor (2) com um sistema grosseiro de aproximação da amostra (3) e de um medidor do sinal do sensor (4) incorporado numa malha de realimentação para o controlo fino da aproximação da amostra ao sensor. Um computador de controlo (5) actua sobre o sistema de varrimento, recolhe os dados do medidor de sinal e converte-os em imagem.

A possibilidade de estruturas poderem ser construídas átomo a átomo tem levado, ao longo dos anos, à especulação que nanomáquinas poderão ser feitas e usadas para fabricar materiais átomo a átomo. A ideia de construir uma ou várias máquinas que começariam por fazer a cópia delas mesmas – auto-replicação e de seguida construiriam os tais materiais, parece resolver o problema da baixa velocidade de produção. Esta especulação levou alguns indivíduos a exprimir os seus medos em relação à auto-replicação não controlada – o gray goo .

Top-down

Top-down

O fabrico via top-down envolve começar com uma peça de matéria-prima e trabalhá-la, moê-la ou alterá-la de forma a remover o material em excesso até se obter a nanoestrutura desejada. Este tipo de processo é actualmente utilizado para fabricar circuitos de microchips. Os métodos top-down, tais como a engenharia de precisão e a litografia, têm vindo a ser melhorados e refinados graças à industria dos semicondutores.

As técnicas top-down conseguem oferecer uma maior complexidade e fiabilidade dos dispositivos produzidos, contudo são mais dispendiosas energeticamente e produzem mais desperdícios que as técnicas bottom-up. É de notar que não é ainda possível aplicar ambos os métodos a todos os tipos de produtos. Por exemplo, não é possível fabricar chips de computador recorrendo aos métodos bottom-up. A utilização de cada um dos dois métodos, em separado ou em conjunto, é ainda uma florescente área de investigação.

Exemplo A. Engenharia de Precisão

De uma forma geral, a engenharia de precisão está ligada à indústria da microelectrónica desde a produção de wafers planos de semicondutores utilizados como substratos para chips de computadores, passando pelo processo mecânico de posicionamento dos wafers até à manufactura do sistema óptico de precisão utilizado para imprimir os padrões nos mesmos. Além disso, a engenharia de precisão é também usada numa variada gama de produtos tais como discos rígidos de computador e leitores de CD e DVD.

Actualmente as ferramentas de máquinas de alta precisão conseguem ter um excelente desempenho, quer em termos de precisão / definição das formas, quer em termos de acabamentos das superfícies. A utilização de novos materiais para ferramentas de corte, baseados em diamante ou nitreto de boro, assim como de novos designs lineares e giratórios de rolamento aplicados às películas de filme fluidas e aos sensores para o controlo do tamanho em conjunto com o controlo numérico, são alguns exemplos. Contudo a escala continua a ser uma limitação, pois a engenharia de precisão é um processo clássico e não tem em conta as interacções de natureza quântica observadas à escala do nanómetro.

Exemplo B. Nano - Litografia

A litografia, uma das principais tecnologias associadas ao fabrico de semicondutores, envolve a impressão de um padrão sobre uma superfície. A litografia convencional é um processo bastante antigo. Contudo, quando se trata de posicionar átomos ou moléculas na superfície de uma forma precisa, podem surgir alguns problemas relacionados com a natureza quântica dos mesmos.

Ilustração do funcionamento da litografia dip-pen.
Ilustração do funcionamento da litografia dip-pen. Esta tecnologia utiliza a ponta de um microscópio de força atómica (representado a azul) revestida por moléculas que "escrevem" num substrato inorgânico. As moléculas reagem com o substrato criando padrões de nanoestruturas ligadas ao substrato (vermelho).

Actualmente existe um vasto leque de técnicas diferentes denominadas por litografia. Por exemplo, a ponta de um microscópio de força atómica pode ser usada como “caneta”. Nesse caso a ponta é revestida por um filme fino de moléculas , por exemplo, de thiol que à medida que a ponta se desloca, as moléculas migram da ponta para a superfície formando um padrão nanoscópico na mesma. Este tipo de litografia chama-se de dip-pen lithography.

Litografia por "técnica de gravação" .
Litografia por "técnica de gravação" .

Outro tipo de litografia pode ser denominada de “técnica de gravação”. Neste caso, o mecanismo é semelhante ao de um carimbo. É utilizada uma peça pré-preparada de material nanoestruturado que, quando pressionada contra a superfície, deixa um padrão característico na mesma. De forma a “fixar” o padrão, a superfície pode ser exposta à radiação ultravioleta.

Por sua vez, na litografia de feixe de electrões é utilizado um feixe de electrões em vez de luz ultravioleta para projectar e transferir o padrão do circuito para o wafer de silício. O comprimento de onda de um feixe de electrões é menor que o de um feixe de luz ultravioleta, possibilitando a inscrição de um padrão com mais detalhes. Devido à irradiação dos electrões, o material muda de propriedades localmente, o que pode ser utilizado para fazer o etching selectivo.

Etching é processo de remoção da camada superficial de um dado material. Esta remoção pode ser conseguida recorrendo a químicos que dissolvem ou corroem a superfície ou a fortes fontes de energia que quebram as ligações moleculares, tais como feixes de electrões ou fontes de luz ultravioleta. As partes da superfície que se querem manter e resguardar deste processo de etching são protegidas previamente com uma máscara resistente a este processo, mantendo assim intactas as áreas desejadas.

Por sua vez, a litografia de raios-X faz uso de um feixe paralelo de raios-X gerado num ciclotrão. Um feixe de raios-X oferece uma maior capacidade de penetração na camada resistente do material em comparação com as restantes técnicas de litografia, possibilitando o fabrico de nanoestruturas tridimensionais.

As técnicas desenvolvidas pela indústria da microelectrónica possibilitaram a miniaturização de dispositivos mecânicos dando origem ao seu estudo e investigação. A tecnologia utilizada nos sistemas microelectromecânicos procura explorar e expandir as potencialidades da manufactura de circuitos integrados em silício, utilizada no fabrico de chips desde o processamento do sinal eléctrico até à incorporação de sensores e actuadores nos chips utilizados para mover as várias partes mecânicas, o que futuramente poderá ser aplicado a nanorrobôs.

Mas então... onde é que estão os nanorrobôs?

Apesar de se falar bastante das futuras aplicações da nanotecnologia, a maior parte das aplicações comercializadas são ainda limitadas ao uso de nanomateriais por grosso.

As nanomáquinas e nanorrobôs são ainda uma tecnologia do futuro. A investigação nesta área é muito vasta, indo desde o melhoramento das tecnologias de manufactura de nanocomponentes, passando pelo estudo dos mecanismos de funcionamento de um nanorrobô, quer por influência de organismos vivos, quer por máquinas, até às tecnologias de programação das nanomáquinas.

Simulação e Nanomanufactura

Nos dias de hoje, a simulação numérica é uma parte indispensável dos processos de fabrico de quase todo o tipo de mercadorias. Por exemplo, para o fabrico de automóveis são feitas previamente simulações detalhadas com vários testes (túneis de vento, testes de embates...) antes destes serem feitos ao modelo em questão. Estas simulações reduzem significativamente o número de protótipos necessários reduzindo assim os custos e tempo envolvidos no desenvolvimento de novos modelos.

A simulação numérica tem um papel ainda mais importante na nanotecnologia, visto que levar a cabo experiências e fazer medições à escala do nanómetro é mais dispendioso e demora muito mais tempo do que efectuar simulações numéricas (recorrendo a potentes computadores paralelos). Contudo, para que as simulações sejm precisas e fiáveis é necessário, não só ter dados suficientes sobre os átomos e moléculas envolvidos, como também ser-se capaz de descrever convenientemente as interacções entre eles.

Modelação de materiais ao nível quântico: imagens "Ball & Stick" de uma simulação numérica do processo de formação e crescimento de um nanotubo de carbono.
Modelação de materiais ao nível quântico: imagens "Ball & Stick" de uma simulação numérica do processo de formação e crescimento de um nanotubo de carbono.

A simulação à escala do nanómetro está a revelar-se extremamente útil e eficaz tendo já sido desenvolvidas experiências de formação de nanomateriais, baseadas em simulações.