Em 1959 o físico americano, Richard P. Feynman (1918 - 1988), figura 1, depois de um célebre jantar proferiu uma palestra que é hoje considerada a palestra mãe sobre nanotecnologia. A palestra chamou-se "There is plenty of room at the bottom" com o subtítulo "an invitation to enter a new field in physics" e nela Feynman delineou uma visão promissora para um novo campo na Física.
Eric Drexler, tomando como ponto de partida esta palestra concebeu um mundo à escala do nanómetro de uma forma quase clássica, deixando de lado aspectos essenciais que decorrem da mecânica quântica. Drexler argumentou que, se há muito espaço livre à escala do nanómetro, então será possível reduzir significativamente a dimensão dos equipamentos de que dispomos hoje, por exemplo o tamanho de chips de computador. Além disso, manipulando a matéria a esta escala será possível construir nanorrobôs, que poderão desempenhar tarefas predefinidas. Estes nanorrobôs seriam estruturas simples, que, numa metodologia "bottom-up", poderiam, átomo a átomo, não só construir estruturas mais complexas como auto-replicarem-se.
Juntando a estas especulações o frenesim em que se vive à escala atómica ficamos com o vislumbre de um panorama interessante ou aterrador do que pode ser feito a esta escala.
Nesta visão um nanorrobô é uma máquina estruturalmente simples e portanto não pode realizar tarefas complexas. Assim sendo, a complexidade só pode surgir da cooperação entre vários nanorrobôs. Como conseguir pôr nanorrobôs a cooperarem? Aqui começam os problemas, a tecnologia actual não permitiria garantir tal cooperação de uma forma sistemática e linearmente escalável com o número de nanorrobôs.
Mas como produzir estas máquinas? E a que ritmo?
Surge neste contexto o conceito revolucionário de auto-replicação. Sabendo que à escala atómica tudo se passa num frenesim (comparado com o que se passa à nossa volta), conseguir nanorrobôs simples com a capacidade de se replicarem e cooperarem eficientemente levaria a realizações espantosas em tempo recorde.
Imaginemos por um momento que o cenário de Drexler é possível. Imaginemos um nanorrobô que consegue executar, num ritmo frenético, 109 ligações químicas por segundo. Ora, 30 gramas de um material têm um número da ordem de 1023 ligações químicas, pelo que 1 nanorrobô demoraria 19 milhões de anos a manufacturar 30 gramas de matéria. Nada eficiente!
Suponhamos agora que o nanorrobô é suficientemente simples e versátil para construir o que quer que seja incluindo a auto-replicação. Suponhamos ainda que tem energia e matéria disponível e que de alguma maneira conseguimos comunicar com ele. Neste caso, supondo que cada nanorrobô tem, ele próprio, 109 ligações, conseguiria replicar-se num segundo. Continuando o processo, em 60 segundos conseguiríamos obter 260 nanorrobôs que, fazendo as contas, conseguiriam manufacturar 50 kg de matéria por segundo!
Obviamente, Drexler especulou um cenário arrojado, próprio da ficção científica, mas deu o mote para aquilo que podemos considerar o imaginário da nanotecnologia (note-se ainda que um cenário clássico como o traçado por Drexler é muito mais facilmente compreensível para quem não domina e muito menos compreende a Mecânica Quântica - a maioria da Humanidade). De facto, acompanhando estas especulações apareceu o "gray-goo", termo que designa o medo e subsequente combate social à investigação científica à escala do nanómetro. Com as potencialidades do cenário de Drexler o domínio desta tecnologia seria um grande poder. Por um lado a utilização indevida destas potencialidades para fins militares seria um perigo, por outro, quaisquer imperfeições no processo de replicação poderiam dar origem a "mutações" que por sua vez poderiam dar origem ao inesperado, em que por exemplo, tal como células cancerígenas, os nanorrobôs poderiam ignorar sinais de desactivação e tornarem-se numa força incontrolável. Daqui até aos piores cenários da máquina que se vira contra o Homem seria um passo.
Mas será o sonho de Drexler realizável?
Segundo a opinião científica generalizada, não. Drexler concebeu um mundo que ignora aspectos fundamentais da Mecânica Quântica. Na verdade extrapolou para a escala microscópica a lógica clássica sem levar em conta que à escala do nanómetro tudo funciona de uma forma bastante diferente. Foi neste contexto que Richard Smalley resolveu intervir, levantando objecções de fundo ao sonho de Drexler com a introdução de dois novos conceitos que passaram a figurar na linguagem socio-científica dos nossos dias:
Os sistemas à escala atómica evoluem sempre (de forma espontânea) no sentido da maior estabilidade. Por exemplo, se enchermos uma caixa de areia e exercemos pressão sobre esta, supondo que a caixa em si não se parte, numa primeira fase os grãos de areia reorganizar-se-ão macroscopicamente até chegarem ao melhor arranjo possível, após o que, irão resistir eficazmente à pressão exercida - porquê?
À escala atómica os átomos das partículas de areia estão de facto "muito longe uns dos outros"; no entanto, estas distâncias relativas são impostas pelas regras da interacção electromagnética que estabelece as ligações químicas entre átomos e que determina a configuração de maior estabilidade. Dado que esta interacção é muito mais forte do que a pressão externa aplicada, as ligações entre os átomos da areia resistirão com eficácia à pressão aplicada no sentido de fazer prevalecer a configuração mais estável.
Se transpusermos esta realidade quântica para o cenário em que temos vários nanorrobôs a operar em simultâneo na construção de uma nanomáquina mais complexa, a cada nanopeça introduzida, cada um deles terá que respeitar a "harmonia quântica", o que implica ter em conta a estabilidade já existente e salvaguardar a estabilidade com a introdução de novas "peças". Como já dissemos, as ligações atómicas envolvem a interacção de vários átomos em simultâneo e todos eles contribuem para a estabilidade da configuração. Assim sendo, o nosso nanorrobô tem que ter uma coordenação motora notável de modo a controlar em paralelo todo o conjunto. Se esta hipótese parece difícil de se concretizar, uma vez que os nanorrobôs querem-se estruturalmente simples, poder-se-ia aumentar o seu número, dividir tarefas e pô-los a cooperar. Mas seguindo esta solução caminhamos para um cenário em que começa a haver nanorrobôs a mais e o espaço disponível, que havia anteriormente, começa a ficar sobrelotado. Esta falta de espaço onde "há tanto espaço" é precisamente o que Smalley designou por "problema dos dedos gordos".
O problema dos dedos pegajosos, tal como o nome indica tem uma boa analogia com os trabalhos de "corta e cola" de educação visual. Nestes trabalhos, recorrendo às nossas mãos, desejamos manipular recortes de papel e colá-los ao nosso gosto. No processo, muitas das vezes os nossos dedos ficam também eles pegajosos, dificultando o manusear do trabalho uma vez que não podemos fazer uma colagem sem a preocupação adicional de descolar os nossos dedos da folha, que podem inclusive rasgá-la.
À escala do nanómetro, tanto as máquinas produto como os nanorrobôs (as máquinas obreiras), serão constituídas por átomos e moléculas que se ligam entre si de forma complexa, de acordo com as leis da Mecânica Quântica. Como já vimos, a esta escala as regras de encaixe das "peças" são multifacetadas; todos os átomos e moléculas interagem freneticamente e à distância, pelo que a harmonia de uma ligação envolve tipicamente vários átomos. Assim sendo, o nosso nanorrobô, no manusear da nanomáquina que pretendemos construir, estará também ele sujeito à interacção com as peças e portanto sujeito a "colar-se" a elas. Neste caso, será difícil descolar os dedos sem estragar ou modificar alguma coisa na nanomáquina. Ou seja, este inconveniente dos nanodedos pegajosos, de origem quântica, constitui mais um forte obstáculo à prossecução do sonho de Drexler.