Uma molécula de água, apenas, não é muito interessante: Um átomo de oxigénio, dois de hidrogénio. Que mais se pode dizer? Mas se juntarmos muitas moléculas de água... obtemos flocos de neve, cristais de gelo, nuvens, neblina e água líquida.
Um grande número de átomos ou de moléculas pode dar origem a quase tudo e os físicos sabem disso. De facto, alguns, sonham com isso. Combinando as moléculas adequadas, em condições apropriadas, é possível desenhar, por exemplo, ligas metálicas ultra-resistentes, supercondutores à temperatura ambiente e até materiais com propriedades que ainda não imaginámos!
A ideia de desenhar materiais é excelente, mas há um problema: as multidões de moléculas, tal como as multidões de pessoas, são difíceis de prever. Apenas em situações idealizadas existem regras simples, como a lei dos gases ideais, para ajudar os físicos a descrever os sistemas com muitas partículas. As maravilhas dos materiais desenhados, contudo, estão longe do regime ideal e as previsões deste mundo novo pelos físicos têm sido difíceis ou até impossíveis.
A Física descreve facilmente o comportamento de uma ou duas partículas. As leis de Newton, por exemplo, descrevem o movimento de um planeta à volta do Sol de uma forma simples e elegante. Se agora juntarmos outro planeta, os três corpos (Sol e dois planetas) interagem mutuamente enquanto se movem. A imprevisibilidade do problema de três corpos é famosa e são necessários computadores e novos conceitos para resolver o problema.
Imaginemos agora, não três, mas 10²³ partículas –o número de átomos ou de moléculas numa colher de sopa de água. As partículas interagem, ligam-se e colidem. O número de interacções em jogo, em qualquer instante, é inimaginável. Como poderemos prever a estrutura ou as propriedades deste sistema?
Uma resposta, à escala macroscópica, foi dada há mais de duzentos anos.
Os sistemas macroscópicos em equilíbrio térmico têm um comportamento extremamente simples descrito pelas leis da Termodinâmica. Por exemplo, a segunda lei, ou o princípio da entropia máxima, S, diz-nos que o equilíbrio de um sistema com volume constante, à temperatura T, é determinado pelo estado que minimiza a energia livre F,
onde E é a energia (soma da energia cinética e potencial) do sistema. A estabilidade do sólido ou do gás decorrem deste princípio e do facto da matéria ser constituída por átomos.
O sólido cristalino é o estado estável a baixas temperaturas e densidades elevadas, uma vez que a energia é minimizada pela ordem molecular –o potencial de interacção interatómico tem um mínimo, para uma distância bem definida, e o cristal é constituído pelo arranjo espacial periódico que minimiza a energia potencial do sistema. De uma forma análoga, conclui-se que o gás é estável a altas temperaturas e baixas densidades, onde a energia de interacção é desprezável e a entropia é maximizada pela desordem molecular.
Este argumento é geral e pode ser utilizado para mostrar a existência de transições de fase. As duas fases, neste caso o sólido cristalino e o gás, têm simetrias diferentes. No limite macroscópico, o gás é caracterizado por invariância de translação contínua (todos os pontos são equivalentes do ponto de vista das suas propriedades físicas), enquanto que o sólido cristalino tem simetria de translação discreta (os pontos equivalentes são apenas aqueles que estão relacionados por um grupo de translação discreto: a rede de Bravais). Como o sólido é estável a baixas temperaturas e o gás é estável a altas temperaturas, o sistema tem necessariamente de exibir pelo menos uma transição de fase.
Os exemplos de transições de fase são comuns: a água líquida ferve a 100 °C e congela a 0ºC, à pressão de 1 atm. Nestas condições, as propriedades físicas do sistema são muito especiais. Em particular, as funções termodinâmicas apresentam singularidades –Por exemplo, na curva de sublimação, a densidade passa descontinuamente da densidade típica do sólido para uma densidade cerca de 1000 vezes menor, típica do gás.
Há essencialmente dois tipos de transições de fase: as contínuas e as descontínuas. A transição entre o sólido e o gás é descontínua, pois envolve calor latente. Quando uma substância passa de uma fase desordenada (o gás) para uma fase ordenada (o sólido), uma quantidade de calor (o calor latente) é libertada neste processo. Esta libertação de calor revela que a estrutura do material é alterada de uma forma radical. Isto acontece, em particular, ao longo das linhas de sublimação, fusão e ebulição da maior parte das substâncias conhecidas (é por causa disto que sentimos mais calor quando, à mesma temperatura, estamos num ambiente mais húmido dentro do chuveiro na casa de banho, pois o vapor de água liberta uma quantidade de calor o calor latente, ao condensar na nossa pele).
Os sistemas coloidais (dispersões de partículas esféricas, com raios da ordem de 1 µm, num solvente) fabricados recentemente exibem apenas uma fase gasosa (ou fluida) e outra sólida, separadas por uma linha de sublimação. Contudo, a maior das substâncias naturais é caracterizada por diagramas de fases um pouco mais complexos e têm também uma fase líquida. Ao contrário do sólido e do gás, o líquido é estável numa gama de temperaturas limitada pelo ponto triplo (onde o sólido, o líquido e o gás coexistem simultaneamente) e pelo ponto crítico, onde termina a linha de condensação, ao longo da qual coexistem uma fase líquida e outra gasosa. O ponto crítico entre o líquido e o gás é um exemplo de uma transição de fase contínua, isto é, uma transição que não envolve calor latente.