Bestiário dos cristais líquidos

Para que uma substância possa ser um cristal líquido, num certo intervalo de temperaturas, é necessário que as suas moléculas tenham uma forma não esférica – basicamente uma de duas (apesar da literatura estar cheia de formas ainda mais exóticas):

  • serem bastante alongadas (em forma de bastão):
    4-ciano-4'-pentilbifenil
    Molécula alongada.

    neste caso os cristais líquidos dizem-se calamíticos,

  • serem bastante espalmadas (em forma de disco ou plaqueta):
    Molécula em forma de disco.

    neste caso os cristais líquidos dizem-se discóticos.

As moléculas dos cristais líquidos não têm a disposição completamente ordenada dos sólidos cristalinos, nem estão espalhadas ao acaso como nos líquidos normais (isotrópicos). O que as caracteriza é apontarem segundo uma direcção preferencial, a que se chama o director. Podem, além disso, estar ordenadas posicionalmente em uma ou duas (mas não três) dimensões. As diferentes fases dos cristais líquidos caracterizam-se por diferentes combinações de ordem posicional e orientacional.

  • Os cristais líquidos calamíticos podem apresentar as seguintes fases:
    • Nemática, se apenas existir ordem orientacional dos eixos das moléculas alongadas, mas as suas posições forem completamente desordenadas.
      Disposição das moléculas na fase nemática.
    • Colestérica, que e uma fase nemática na qual o director varia de ponto para ponto do espaço, descrevendo uma hélice.
      Disposição das moléculas na fase colestérica.
    • Esmética, se as moléculas paralelas se organizarem em camadas, empilhadas umas sobre as outras. Dentro de cada camada não há ordem posicional: As moléculas podem mover-se livremente, como num líquido isotrópico. Pode, porém existir ordem orientacional nos planos das camadas (planos esméticos): É isto que distingue as diferentes fases esméticas.
      • Se as moléculas forem perpendiculares aos planos esméticos e não existir qualquer tipo de ordem orientacional nesses planos, estamos em presença de um esmético A.
        Disposição das moléculas na fase esmética A, visão lateral e de topo.
      • Se existir ordem orientacional nos planos esméticos, de tal forma que cada molécula esteja, em média, rodeada por seis outras, dispostas nos vértices de um hexágono, e os hexágonos formados pelos vizinhos de cada molécula tenham lados paralelos uns aos outros, teremos um esmético B.
        Disposição das moléculas na fase esmética B, visão lateral e de topo.
      • Se, por outro lado, a ordem orientacional for tal que as moléculas estejam inclinadas todas para o mesmo lado, e fazendo o mesmo ângulo com a direcção perpendicular aos planos esméticos, teremos um esmético C.
        Disposição das moléculas na fase esmética C, visão lateral e de topo.
      Estas fases apresentam ordem posicional em uma dimensão: Cada camada é um líquido, mas as diferentes camadas têm posições fixas relativamente umas às outras. Existem muitas mais fases esméticas mais complicadas: Por exemplo, o esmético C*, no qual as moléculas se desviam da direcção perpendicular aos planos sempre do mesmo ângulo, mas em direcções diferentes em cada camada, descrevendo novamente uma hélice.
      Disposição das moléculas na fase esmética C*.
  • Por sua vez, os cristais líquidos discóticos podem apresentar as seguintes fases:
    • Nemática, se os planos das moléculas espalmadas estiverem mais ou menos paralelos, mas as suas posições forem completamente desordenadas.
      Disposição das moléculas na fase nemática.
    • Colunar, se as moléculas paralelas se empilharem em colunas. As colunas podem, por sua vez, organizar-se segundo arranjos hexagonais (correspondente à compacidade máxima), rectangulares ou oblíquos (menos compactos). Estas fases apresentam ordem posicional em duas dimensões: Dentro de cada coluna as moléculas podem mover-se livremente, como num líquido isotrópico, mas as colunas têm posições fixas relativamente umas às outras.
      Disposição das moléculas na fase colunar hexagonal (esquerda), colunar rectangular (centro) e colunar oblíqua (direita).
      hexagonal rectangular oblíquo

Estes arranjos moleculares alteram de formas diferentes a polarização da luz que os atravessa. Essas alterações, características de cada arranjo, produzem padrões de uma rara beleza chamados texturas, alguns dos quais podem ser vistos na galeria dos cristais líquidos, e que podem ser usados para identificar os arranjos moleculares que lhe deram origem.

Uma mesma substância pode apresentar várias fases líquido-cristalinas, para além do sólido cristalino e do líquido isotrópico habituais. Se estas transições se dão ao variar-se a temperatura, o material mesomórfico em questão diz-se termotrópico; se, por outro lado, se dão ao variar-se a concentração do material num dado solvente, aquele diz-se liotrópico. Mais recentemente, sintetizaram-se cristais líquidos que podem ter comportamento tanto termotrópico como liotrópico, e que se dizem anfotrópicos.

Diagrama de fase.
Diagrama de fase.

A figura ao lado ilustra a perda gradual de ordem orientacional ao aumentar-se a temperatura (termotrópicos) ou diminuir-se a concentração (liotrópicos). Um dado material mesomórfico pode, inclusivamente, passar por várias fases líquido-cristalinas: Por exemplo, a substância da figura abaixo passa da fase sólida cristalina para a esmética C, dela para a nemática e daí para a fase líquida isotrópica.

Um exemplo (simulação) de transição de fase, do nemático para o esmético A, pode ser visto no seguinte vídeo (source), onde o campo superior mostra a posição do centro de cada molécula e o campo inferior mostra a molécula.

O efeito da temperatura na alteração dos padrões de interferência de uma amostra do composto:

Ligante L3.

ao serem atravessadas as diferentes transições de fase, podem ser vistos nos seguintes vídeos: vídeo 1 – aumentando a temperatura, vídeo 2 – diminuindo a temperatura (source).

Convém realçar que vários cristais líquidos apresentam múltiplas fases quando passam do estado sólido ao líquido. Por exemplo, não é incomum observar materiais que passam do estado sólido cristalino, para a fase esméctica C, de seguida esméctica A, de seguida nemática e por fim ao estado líquido. A substância seguinte é um desses exemplos:

4-n-pentil benzenotiol benzoato de 4-n-deciloxi.
As múltiplas fases do 4-n-pentil benzenotiol benzoato de 4-n-deciloxi.