Como se fabrica um condensado de Bose-Einstein (parte 1)

Para se fabricar um condensado de Bose-Einstein são necessários dois ingredientes: um conjunto de bosões e temperaturas extremamente baixas. O primeiro ingrediente é fácil de se obter, pois cerca de 75% dos átomos da tabela periódica são bosões; o segundo já não o é e requer uma série de passos bastante engenhosos, se bem que simples, e alguma explicação.

Um cálculo exacto mostra que a transição de Bose-Einstein ocorre quando o número de átomos num cubo de lado igual ao comprimento de onda térmico excede ligeiramente 2.6. Isto significa que, quanto mais denso for o gás, mais alta é a temperatura crítica. Contudo o BEC é um estado metaestável, ou seja, compete com outras fases e a sua observação requer que o gás seja ultradiluído, o que por sua vez implica temperaturas de transição ultrabaixas.

A diluição é necessária para evitar que o sistema condense no estado líquido normal ou congele, antes de ocorrer a condensação de Bose-Einstein. O objectivo da diluição é evitar a mais de duas moléculas do gás, para impedir que após a colisão de três moléculas, uma leve a maior parte da energia ficando as outras duas num estado ligado. É preciso manter o gás ultra-rarefeito, com densidades da ordem dos 10¹² átomos por cm³ (10 ordens de grandeza inferior à densidade do líquido ou do sólido), o que implica um arrefecimento até 0.000 000 1 K, ou seja até um décimo de milionésimo de grau acima do zero absoluto. A esta temperatura os átomos movem-se muito devagar, com velocidades da ordem dos milímetros por segundo.

Outra condição para a observação do condensado é confinamento dos átomos no espaço durante e depois do arrefecimento. Como o BEC é metaestável, o confinamento não pode envolver qualquer tipo de contacto, para evitar a nucleação do líquido ou do sólido. Isto elimina também todos os métodos convencionais de baixas temperaturas (criogenia), e deixa como única opção a utilização de campos eléctricos e magnéticos, tanto para arrefecer como para aprisionar os átomos.

A primeira fase do arrefecimento utiliza lasers. A alta intensidade e direccionalidade de um feixe de laser, assim como a emissão de fotões com um comprimento de onda bastante próximo de um valor específico, fazem do laser a ferramenta ideal para esta tarefa. Este processo de arrefecimento pode parecer insólito à primeira vista, pois toda a gente sabe que se puser a mão ao sol esta aquece... no entanto isto acontece porque os fotões emitidos pelo sol têm todas as energias possíveis e podem ser absorvidos pelas moléculas da nossa pele. Passemos então aos detalhes do processo de arrefecimento. Para se arrefecer o gás fazem-se incidir os fotões provenientes de um laser sobre os átomos do gás. Em primeira aproximação o efeito é equivalente a atirar pequenos berlindes contra bolas de bowling e pode ser visualizado no primeiro applet. Variando a intensidade do laser (power) e movendo o gerador de raios laser (Gerador de raios laser.), para cima ou para baixo, de forma a que os fotões choquem contra os átomos, observa-se uma redução considerável da velocidade dos átomos.

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Os átomos são arrefecidos porque, ao absorverem um fotão, têm que acomodar o seu momento linear. Numa colisão frontal, o resultado final é a redução da velocidade do átomo: A emissão do fotão pelo átomo excitado transporta momento numa direcção arbitrária, deixando o átomo, em média, com uma velocidade mais baixa.

No entanto, ao nível quântico o mecanismo é um pouco mais subtil, pois só ocorrem choques, se os fotões tiverem a frequência adequada para fazer saltar algum dos electrões do átomo para um nível de energia mais elevado. Estas frequências (chamadas frequências de ressonância) correspondem às frequências das riscas do espectro de radiação descontínuo dos átomos a serem arrefecidos. Por outro lado, os átomos são praticamente transparentes para fotões com outras frequências. O efeito é ilustrado no segundo applet, onde pode variar a energia dos fotões, i.e. a sua frequência ou cor (color), até encontrar uma frequência de ressonância (movendo o gerador de raios laser, para cima ou para baixo, de forma a que os fotões choquem contra os átomos).

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Portanto, para arrefecer os átomos é necessário ajustar a frequência do laser a uma das frequências de ressonância atómica. Ou quase, há ainda uma outra subtileza – O efeito de Doppler. De facto, a frequência do laser vista pelo átomo, depende da velocidade relativa entre o átomo e a fonte de raios laser – i.e. quando o átomo se move na direcção da fonte uma frequência mais alta, e quando se afasta uma frequência mais baixa do que a frequência do laser produzido pela fonte. Este efeito é posto em evidência no terceiro applet, onde mais uma vez se pode variar a frequência e a posição da fonte de raios laser. No applet a frequência inicial da fonte é a frequência de ressonância do átomo em repouso, pelo que para se conseguir diminuir a velocidade do átomo que se aproxima é necessário baixar um pouco a frequência do laser emitido, por forma a que o átomo veja a frequência de ressonância num choque frontal!

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É precisamente graças a esta segunda subtileza que é possível arrefecer o gás de bosões. Fotões com uma frequência inferior à da ressonância atómica são vistos pelos átomos que se aproximam do laser como muito próximos dessa ressonância e são absorvidos com uma probabilidade amplificada. Pelo contrário, para os átomos que se afastam do laser os mesmos fotões parecem estar ainda mais longe da ressonância, razão pela qual são absorvidos com uma probabilidade muito mais baixa. Assim, a absorção de fotões em colisões frontais ocorre com uma probabilidade muito maior num sentido do que no sentido oposto, o que permite ‘travar’ os átomos que se deslocam nesse sentido.

À medida que os átomos vão arrefecendo é necessário baixar a frequência do laser para reduzir progressivamente a velocidade dos átomos, cada vez mais lentos, do gás. O arrefecimento com lasers atingiu os 10 microKelvin (10-5 K) com 10¹¹ átomos por cm³. Estas condições estão ainda longe das condições necessárias para observar o BEC, mas as técnicas foram tão importantes neste contexto que o Prémio Nobel da Física foi atribuído pelo seu desenvolvimento, a S. Chu, C. Cohen-Tannoudji e W. D. Phillips em 1997, dois anos depois do BEC ter sido observado.