"De que somos feitos?" É uma pergunta que tem apaixonado o Homem desde os seus primórdios. Ao longo da História temos vindo a, progressivamente, dar respostas a esta pergunta. Desde a invenção do microscópio que nos permitiu descobrir a estrutura da matéria viva, aos progressos na Química e Teoria Atómica, à Física Nuclear que nos permitiu "ver" dentro dos átomos e à moderna Física de Partículas, onde sondamos as mais pequenas escalas alguma vez alcançadas. Ainda não sabemos se aquilo que sabemos hoje é a resposta final àquela velha pergunta (muito provavelmente ainda não será). Aquilo que até aos nossos dias se foi descobrindo está resumido na figura seguinte:
Na nossa compreensão actual, toda a matéria é composta por dois tipos de partículas:
Todas estas partículas, esquematizadas na figura seguinte, são, acreditamos hoje em dia, elementares - ao contrário de células, moléculas, átomos ou núcleos, estas partículas não podem ser divididas em constituintes mais pequenos.
Note-se a repetição nesta figura - três "famílias" de partículas (com cores diferentes), cada uma com um par de partículas semelhantes ao electrão-neutrino e outro par semelhante aos quarks up-down. Neste pódio de partículas, nem todas têm a mesma massa - de baixo para cima, e da esquerda para a direita, a massa das partículas aumenta. E pode aumentar imenso - O electrão é cerca de 9000 vezes mais leve que o seu "primo" τ. Ou 348000 vezes mais leve que a partícula elementar mais pesada, o quark top - que, por sua vez, é 185 vezes mais pesado que um átomo de hidrogénio! Uma das grandes questões em aberto da Física contemporânea é saber a razão pela qual estas partículas têm massas tão diferentes umas das outras, e por vezes tão grandes. Serão realmente elementares? E porque é que existem três famílias de partículas na Natureza? Porquê esta repetição? Todas estas questões estão em aberto e são grandes mistérios.
Com a tamanha diversidade que a Natureza nos mostra é de uma simplicidade extraordinária que existam apenas 4 tipos de interacções! Essas quatro "Forças", no entanto, não são todas igualmente "fortes" - algumas são muito mais intensas que as outras. Esta intensidade, a "força" de cada uma delas, pode ser expressa em termos numéricos - a mais "forte" de todas é a força Nuclear Forte, com intensidade 1. Relativamente a esta força, a força Electromagnética é cerca de 137 vezes mais fraca. Este "137", já agora, é a grandeza mais bem conhecida da História da Ciência - as medidass experimentais para esta grandeza - chamada constante de estrutura fina - estão de acordo com a teoria até à oitava casa decimal! Em termos de intensidade, temos a força Nuclear Fraca a seguir, cerca de um milhão de vezes mais fraca que a força Forte. E finalmente, muitíssimo mais fraca que as restantes, a força Gravítica. É cerca de 10 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 vezes mais fraca que a força Forte! Para lá de terem intensidades tão diferentes, cada uma destas interacções é também responsável por tipos de fenómenos completamente diferentes.
Interacção | Responsável por | Partícula Mediadora | Intensidade |
Gravítica |
Estrelas, movimento dos planetas, coesão das galáxias, expansão do Universo, etc...
|
Gravitão | 10-41 |
Nuclear Fraca |
Declínios radioactivos, neutrinos |
2 Partículas W e uma Z | 10-6 |
Electromagnetismo |
Luz, ligações atómicas e moleculares... |
1 Fotão | 1/137 |
Nuclear Forte |
Ligações nucleares, fusão e fissão nucleares |
8 Gluões | 1 |
Note-se na terceira coluna a lista dos tipos de "partículas mediadoras" de cada interacção. Tal diz respeito à interpretação que é feita, na moderna teoria quântica, de como se processam as interacções entre partículas elementares. Descobriu-se que, assim como toda a matéria é composta de partículas elementares, também as interacções têm partículas que lhe estão associadas. Mais exactamente, essas novas partículas são as responsáveis pelas interacções, são os seus mediadores e chamamos-lhes bosões de gauge. A interacção electromagnética é mediada por uma partícula chamada fotão que representamos pela letra grega ν - toda a luz, já agora, é composta de fotões, um número imenso de fotões. O fotão faz de intermediário entre duas partículas que estejam a interactuar electromagneticamente. Para se formar um átomo de hidrogénio, por exemplo, temos de juntar um protão e um electrão. O que se passa, grosso modo (muito grosseiramente, na verdade, não levem esta analogia longe demais), é que o protão envia um fotão ao electrão a informá-lo onde está e que energia tem, o electrão responde com outro fotão a retribuir o favor, e deste fluxo de fotões entre ambos surge a atracção eléctrica que os leva a formar um átomo estável. Dito de outra forma, se o protão for Romeu e o electrão Julieta, o primeiro fotão é uma carta de amor de Romeu a dizer vem ter comigo, o segundo fotão a resposta de Julieta, aí vou eu e a formação do átomo de hidrogénio a noite de núpcias de ambos.
Às partículas de matéria chamam-se Fermiões (pelo seu comportamento ser descrito pela estatística de Fermi-Dirac) enquanto às partículas mediadoras das interacções chamam-se Bosões (uma vez que o seu comportamento é descrito pela estatística de Bose-Einstein). Estas diferentes "Estatísticas" a que estes dois tipos de partículas obedecem dizem respeito ao seu comportamento colectivo - num resumo muito breve, pode dizer-se o seguinte: os Bosões são gregários, enquanto os Fermiões são solitários.
Que quer isto dizer? Significa que as partículas bosónicas podem ocupar, em grandes números, o mesmo estado. Podem ter todas características idênticas. De facto, Einstein e o físico indiano Bose previram que, a partir de uma certa temperatura (próxima do zero absoluto), um "gás de bosões" tinha a propriedade de "condensar-se", ou seja, de uma fracção finita dos bosões que o compunham passar a ocupar o mesmo estado. Esse estado estranho da matéria foi recentemente observado (ver Condensação de Bose-Einstein).
Já os fermiões comportam-se de forma radicalmente diferente - obedecem ao chamado princípio da exclusão de Pauli, que nos diz que dois fermiões idênticos não podem, de forma alguma, ocupar o mesmo estado. Esta propriedade pode parecer exótica, mas tem consequências importantíssimas. É uma das regras fundamentais para a organização dos electrões (que são fermiões) dentro dos átomos - ou seja, a estrutura atómica de toda a matéria que nos rodeia é regida pelo facto dos fermiões obedecerem ao princípio da exclusão.
De notar que a razão para as partículas de matéria e de interacção terem comportamentos diferentes é o facto de possuirem spins diferentes. Todas as partículas de matéria têm um valor semi-inteiro de spin, enquanto as partículas "mediadoras" das interacções possuem spin inteiro. O spin é o "momento angular intrínseco" das partículas e, a par da massa e da carga das partículas, é uma das suas características fundamentais. A analogia mais comum para explicar o spin é pensar nas partículas como um pião a girar sobre ele próprio. É uma analogia útil (embora limitada) quando as partículas têm valor 1/2 de spin, porque o pião, tal como as partículas, pode estar a girar sobre si próprio de duas maneiras diferentes - no sentido horário ou anti-horário. Mas quando a partícula tem spin 1, esta já tem 3 maneiras possíveis de "girar sobre si própria", o que é impossível de visualizar com o exemplo do pião; para valores maiores de spin, o número de formas que a partícula tem para "girar sobre si própria" aumenta e a analogia continua a não funcionar. De qualquer modo, esta conexão entre uma das propriedades fundamentais das partículas - o seu spin - e o seu comportamento colectivo, mesmo macroscópico - a estatística a que obedecem, Bose-Einstein ou Fermi-Dirac - é um dos maiores sucessos da Física de Partículas.
Esta viagem para o infinitamente pequeno começou com os primeiros microscópios. Hoje, os instrumentos que temos de usar para "ver" escalas cada vez menores são colossais - na figura anterior podemos ver uma representação de um dos maiores detectores de partículas do mundo, o detector ATLAS, a ser construído no laboratório europeu CERN. O CERN tem sido a fonte de muito do conhecimento actual acerca de Física de Partículas. Nos próximos anos o seu novo acelerador de partículas - o LHC, Large Hadron Collider - que efectuará colisões de protões contra protões a energias elevadíssimas, começará a funcionar. Esperam-se com ansiedade os dados desta nova máquina, porque estaremos a pesquisar uma região de energias acerca da qual nada sabemos, para a qual só temos teorias. Se o LHC vai confirmar algumas das muitas ideias que temos acerca da próxima geração de física de partículas, ou se pelo contrário os seus dados vão requerer ideias completamente novas... É algo que saberemos no decorrer dos próximos cinco anos! Este é, assim, um dos momentos mais excitantes da História da Física.